Por: Cristiano Oliveira*
Durante a pandemia de COVID-19, o termo “negacionismo científico” foi amplamente debatido. Muitos argumentaram que a ciência seria a chave para salvar vidas, e de fato, desempenhou um papel crucial. No entanto, ao analisar a situação, ficou evidente que existe um problema ainda mais profundo: o negacionismo econômico perpetuado por autoridades e pelas instituições econômicas ruins que existem no Brasil. Esse fenômeno tem se mostrado particularmente prejudicial em momentos de calamidade pública, como as recentes enchentes no estado do Rio Grande do Sul.
A importância das instituições é um tema central na teoria econômica. Mas, afinal, o que são exatamente as instituições? Douglass North as define como as “regras do jogo” em uma sociedade, ou mais formalmente, como as restrições criadas pelo homem para moldar as interações humanas. De forma resumida, Daron Acemoglu define as instituições como mecanismos que impõem restrições aos indivíduos. Embora qualquer lei possa ser descumprida e qualquer regulamento possa ser ignorado, políticas, regulamentos e leis que punem certos tipos de atitudes enquanto recompensam outras têm um efeito significativo sobre o comportamento e as decisões dos indivíduos. Em síntese, as instituições moldam a forma como lidamos com os incentivos.
As exigências burocráticas impostas em situações de resgate, acolhimento e atendimento de desabrigados evidenciam a inadequação e ineficácia de nossas instituições ao lidarem com situações de calamidade. Em situações como essa, as autoridades costumam justificar suas ações alegando que estão apenas “seguindo as leis”, mas, ao fazer isso, ignoram os impactos dessas leis sobre os incentivos e as consequências decorrentes de suas decisões. Em outras palavras, essa postura revela uma completa desconexão com a realidade caótica enfrentada pelas pessoas afetadas, impedindo respostas rápidas e eficazes que poderiam mitigar o sofrimento e os danos causados pela calamidade.
Um exemplo concreto dessa situação é o problema de desabastecimento de vários produtos básicos, tais como água mineral, gás de cozinha e combustíveis, enfrentado pelo estado do Rio Grande do Sul atualmente e que tende a se agravar. Nessas circunstâncias, a escassez é mais bem resolvida por meio de preços livres. Preços mais altos são uma sinalização eficiente para que os consumidores comprem menos, permitindo que outros também tenham acesso, e para que os produtores tenham incentivos a buscar meios de aumentar a oferta. Um exemplo recente disso foi o álcool gel, no início da pandemia. O aumento dos seus preços solucionou o problema de escassez com uma brevidade impressionante.
Em contraste com a lógica do livre mercado, o nosso Código de Defesa do Consumidor não permite a prática de preços abusivos. De acordo com o art. 39, o aumento dos preços de produtos e serviços ao consumidor não pode ocorrer de forma injusta ou excessiva. Portanto, elevar os valores sem justa causa é uma prática abusiva cometida pelo fornecedor. Pergunta-se, então, se uma enchente de proporções colossais não seria motivo suficiente para justificar tal elevação. O bloqueio de mais de uma centena de estradas, a interrupção de operações de vários estabelecimentos comerciais e a perda de grandes quantidades de mercadorias pelas águas não seriam motivos suficientes? O aumento da demanda, motivado pelo medo de um futuro desabastecimento, não seria motivo suficiente?
Aparentemente, essas justificativas não são suficientes para algumas autoridades. A Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) e o Procon lançaram uma nota conjunta para evitar preços abusivos e orientar sobre fraudes no Rio Grande do Sul. Em relação aos “preços abusivos”, um dos idealizadores da nota afirmou que aumentar os valores de produtos essenciais, aproveitando-se de um período de extrema vulnerabilidade, é uma prática abusiva prevista em lei. Ele salientou que, nesse caso, a política a ser seguida é a punição dos fornecedores que aumentarem preços e o estabelecimento de um limite para quantidade de produtos (cotas) para que seja possível que um número maior de consumidores tenha acesso a eles.
No entanto, a imposição de cotas não restabelecerá o equilíbrio entre a oferta e a demanda. Existem maneiras de contornar essas cotas, como, por exemplo, fazer compras em mais de um estabelecimento, fazer múltiplas compras, ou levar mais de um consumidor ao estabelecimento. Portanto, a simples fixação de cotas levará os produtos à exaustão quase tão rapidamente quanto aconteceria caso elas não existissem.
De modo que o resultado dessas medidas é previsível segundo a teoria econômica: agravamento e prolongamento do desabastecimento. Interferir no livre funcionamento do mercado através de controles de preços e cotas pode parecer uma solução adequada e até moralmente correta em momentos de crise, mas, na prática, tais medidas frequentemente desencorajam a produção e a distribuição, levando a uma escassez ainda maior de produtos essenciais. Em vez de permitir que os preços mais altos sinalizem a necessidade de aumentar a oferta e diminuir a demanda, as restrições impostas pelas autoridades impedem o mercado de se autorregular, resultando em prateleiras vazias e consumidores frustrados.
O cidadão comum pode até ter o direito de desconhecer a teoria econômica e negá-la, mas os formuladores de políticas públicas não. Eles devem zelar pelo bem-estar da população, especialmente em períodos de tamanha vulnerabilidade. O negacionismo econômico e a interferência imprudente nos mercados, um caminho fracassado que temos trilhado há muito tempo, manifestam-se novamente, desta vez, na forma de controles de preços e cotas, agravando o desabastecimento e prolongando o sofrimento da população.
Em um cenário ideal, não somente em situações de calamidade como a que está sendo enfrentada pelos gaúchos, exigem autoridades menos negacionistas e instituições econômicas que incentivem comportamentos que beneficiem a sociedade, em vez de limitarem a capacidade de adaptação e resposta às adversidades que lhes são impostas pelas circunstâncias ou pela natureza.
*Professor Associado na Universidade Federal do Rio Grande e head of research na Rivool Finance