O Instituto Moinho Cultural Sul-Americano tem defendido, em Corumbá, que a língua espanhola seja cooficializada no município pantaneiro, que faz fronteira com a Bolívia e Paraguai. Na última semana, a diretora-executiva do Moinho Cultural e integrante do Conselho Municipal de Política Cultural de Corumbá, Márcia Rolon, apresentou a proposta aos vereadores. A proposta de cooficialização é uma ideia da conselheira do Moinho Cultural e professora do curso de Letras do CPAN (Câmpus Pantanal) da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Suzana Vinicia Mancilla Barreda.
Hoje, mais de 50 municípios brasileiros têm idiomas cooficiais, entre as quais as línguas indígenas e de imigração. No caso das línguas de imigração, a maioria está concentrada na região sul do país, que sofreu forte influência da colonização europeia. Em Mato Grosso do Sul, já existem dois municípios com línguas indígenas cooficiais: Tacuru (língua guarani) e Miranda (língua terena).
“A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil, entretanto, nosso país é formado por diversos povos indígenas e de imigrantes, cujas línguas representam sua cultura e identidade. Essas línguas estão passando por processos de cooficialização nos seus respectivos âmbitos, como reconhecimento à riqueza do patrimônio imaterial que elas compõem”, explica a conselheira do Moinho Cultural.
Suzana conta que a ideia de propor a cooficialização da língua espanhola em Corumbá surgiu a partir de discussões levantadas em uma palestra proferida por ela a convite da REME (Rede Municipal de Ensino) de Corumbá, em agosto deste ano. Na ocasião, foram discutidas políticas educativas e linguísticas durante o I Congresso Multidisciplinar de Educação da REME.
Para a professora, os processos de cooficialização das línguas indígenas e línguas de imigração no Brasil atendem à realidade multilinguística e multicultural cada vez mais evidente nos diversos contextos compostos por povos que se movem e ocupam diversos lugares, levando consigo sua cultura e sua língua, patrimônios imateriais que identificam os falantes das diversas línguas.
Em Corumbá, a lei nº 2.282, de 20 de dezembro de 2012, instituiu o Plano Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. No item referente à educação, a proposta já previa “efetivar a adoção do espanhol como segundo idioma nesta fronteira com a Bolívia e o Paraguai”.
Suzana Mancilla explica que a cooficialização do espanhol em Corumbá implicaria em reconhecer e valorizar a participação das populações hispanofalantes, a exemplo dos bolivianos e paraguaios, na formação histórica e social do município. “Além disso, pode instrumentalizar a identidade fronteiriça multilíngue composta por famílias brasileiras, bolivianas, paraguaias, entre outras nacionalidades. A cooficialização também evidencia a presença da língua espanhola e dos seus falantes no cotidiano de Corumbá, seja no comércio ou nas escolas, por exemplo”, explica.
Ao incentivar a formação em português e espanhol das crianças e jovens de Corumbá, na avaliação da conselheira do Moinho Cultural, eles podem ter acesso a um mundo multilíngue e multicultural. Além dessas duas línguas, Corumbá conta com outras línguas de imigração, como o árabe, e as línguas indígenas, como o quéchua, o aymará, o guarani, o bésiro, o ayoreo, o guató e outras, que estão em trânsito compondo um cenário sociolinguístico rico e diverso na região.
“Cooficialiazar o espanhol em Corumbá é trazer toda essa realidade vivida para a legislação de reconhecimento cultural fronteiriço. Considerando ainda seu ineditismo, pode trazer proveito para todos, seja pela valorização da cultura fronteiriça local ou pelo potencial socioeconômico que isso pode gerar para os municípios desta região”, defende Suzana Mancilla.
Experiência no Moinho Cultural
Em média, 10% dos atendidos pelo Instituto Moinho Cultural Sul-Americano são crianças e adolescentes bolivianos. Esta é uma realidade vivenciada pela instituição desde que começou o trabalho na região de fronteira, há mais de 18 anos.
A instituição garante o acesso às aulas de música, dança, tecnologia e, por conta da particularidade fronteiriça, também passou a oferecer “Práticas linguísticas”, utilizando a metodologia translíngue. Tanto o português quanto o espanhol são os idiomas de comunicação no programa de formação oferecido gratuitamente pelo Moinho Cultural. Seguindo os pressupostos teóricos da translinguagem, a instituição busca a equidade e a justiça social, valorizando e respeitando o repertório linguístico e cultural das crianças e adolescentes atendidos.
A diretora-executiva do Moinho Cultural, Márcia Rolon, destaca a importância da cooficialização. “Levamos essa discussão para a Câmara Municipal em busca de apoio para a cooficialização. Aqui, no Moinho Cultural, a língua espanhola é muito presente, bem como em todo o município. Isso demonstra o quanto é necessária a cooficialização e o quanto irá agregar”, afirma.