A Câmara dos Deputados passou por um enfraquecimento nos mecanismos de transparência nos últimos anos, e as possibilidades de participação social social no processo legislativo foram reduzidas, o que pode minar a confiança pública na instituição.
A conclusão é do Pacto pela Democracia, que elaborou 14 propostas e inovações para reformar o regimento interno da Câmara, visando reverter esse processo e assim fortalecer a letimidade do Legislativo. Sob coordenação técnica dos pesquisadores Guilherme France e Beatriz Rey, as ideias serão apresentadas em um evento no Congresso Nacional nesta terça-feira, 26.
Acabar com votação remota, endurecer regras para o regime de urgência, antecipar pautas do plenário para melhor acompanhamento da sociedade civil e da imprensa e ampliar a representatividade de mulheres e negros são algumas das propostas. A data não foi escolhida ao acaso. A ONG, que reúne dezenas de entidades em defesa da construção democrática no País, quer aproveitar o processo de escolha do novo presidente da Câmara para pedir compromisso com a pauta.
“Com a eleição de um novo ciclo de presidência, abre-se uma oportunidade única para implementar essas reformas, promovendo uma Câmara mais engajada no diálogo com a sociedade e comprometida com o fortalecimento democrático brasileiro”, diz o Pacto. O documento é assinado por organizações como Transparência Internacional, Democracia em Xeque, Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), Nossas, Greenpeace, Alana e Fiquem Sabendo, entre outras.
Veja abaixo as dez propostas para revisar regras já existentes no regimento interno:
1) Revisão das Regras de Votação Híbrida
Os pesquisadores avaliam que, em votações híbridas, não é possível verificar em que condições o parlamentar está votando, já que ele pode estar envolvido em outras atividades, o que compromete a qualidade do voto. Além disso, há riscos de fraudes ou mesmo que seus assessores votem em seu lugar.
Por isso, eles propõem que a Câmara exclua das votações em sessões híbridas as propostas de emenda à Constituição (PECs) e permitam a 10% dos parlamentares a possibilidade de suspender a dispensa de registro biométrico presencial para a votação de determinada proposta.
2) Divulgação das pautas do plenário com antecedência
O Pacto considera que, nas últimas legislaturas, a Mesa Diretora divulgou com frequência a pauta de votação do plenário pouco antes do início das sessões, o que dificulta o trabalho de todos os envolvidos no processo legislativo, especialmente dos atores que acompanham o processo legislativo de fora, como organizações da sociedade civil e jornalistas. “Até parlamentares que não fazem parte das instâncias decisórias são surpreendidos pelas proposições a serem analisadas em cada sessão, ficando sem tempo adequado para examiná-las”.
A ideia é que a pauta de votação do plenário seja divulgada com, no mínimo, 24 horas de antecedência ao início de cada sessão. “Idealmente, uma versão provisória da pauta deve ser disponibilizada com uma semana de antecedência”.
3) Revisão do regramento sobre o uso de sessões extraordinárias
A proposta é desincentivar a convocação de sessões extraordinárias, evitando a banalização do instrumento inicialmente criado para situações excepcionais. Os pesquisadores entendem que o excesso de sessões extraordinárias prejudica o tempo adequado de análise e de participação social nos processos legislativo.
4) Institucionalização do Colégio de Líderes
“Nas últimas legislaturas, o Colégio de Líderes (criado para definir a agenda de trabalhos da Câmara e para tentar estabelecer acordos de procedimento e mérito em relação às matérias a serem deliberadas) passou a se reunir fora das instalações físicas da Câmara. Relatos de organizações da sociedade civil e de jornalistas indicam que as reuniões têm ocorrido sob a forma de almoços ou jantares em restaurantes ou nas casas de parlamentares. Assim, o Colégio de Líderes atualmente existe em uma zona entre a formalidade e a informalidade”, analisou a ONG.
A ideia é que o Colégio seja institucionalizado, devendo ser deliberativo e não meramente consultivo, para estabelecer a frequência com que seus membros devem se reunir. Isso daria maior controle e transparência o que é debatido ali.
5) Fortalecimento das comissões
“Hoje (elas são) fortemente controladas pela presidência da Casa, que pode acelerar ou impedir a tramitação de projetos conforme sua conveniência. A proposta de fortalecimento busca assegurar que as comissões tenham mais autonomia e cumpram plenamente seu papel de debater e analisar os projetos antes que cheguem ao plenário”, diz o Pacto.
6) Reativação das Comissões Mistas para análise de MPs
A Constituição Federal prevê que medidas provisórias serão apreciadas por comissões mistas de Deputados e Senadores. Os pesquisadores identificaram, no entanto, que desde o início da pandemia, quando foram suspensos os trabalhos presenciais do Congresso Nacional, as comissões mistas têm sido substituídas por relatores indicados pelo presidente da Câmara e analisadas diretamente em plenário. Eles recomendam a retomada das Comissões Mistas para a análise de medidas provisórias (MPs).
7) Estabelecimento de critérios rigorosos para a votação do regime de urgência
“Nos últimos anos, os requerimentos de urgência promovidos por líderes partidários têm sido aprovados por meio de votações simbólicas no plenário. No entanto, de acordo com o Regimento, essas votações deveriam ser nominais, uma vez que se trata de matérias sujeitas a quórum qualificado. Como resultado, o uso do requerimento de urgência tornou-se banalizado”. Isso provoca, na visão do Pacto, quatro efeitos principais: instabilidade na agenda do plenário; imprevisibilidade quanto às proposições que serão deliberadas; redução do nível de informação disponível sobre as deliberações da Casa; e cerceamento da participação e do debate, devido à redução dos prazos regimentais. A recomendação é revisar proibir a votação simbólica para requerimentos de urgência e de urgência urgentíssima.
8) Revisão da tramitação de PECs
A ONG julga que o “desrespeito às regras regimentais relacionadas às PECs tem ocorrido ao longo dos anos”, sendo o caso mais emblemático a aprovação da PEC do Estado de Emergência em 2022. O documento cobra o seguimento das regras regimentais para “garantir uma avaliação cuidadosa, alinhada com a seriedade das emendas constitucionais”.
9) Estabelecimento de regras claras para o acesso da sociedade civil à Câmara
A proposta visa esclarecer as regras de acesso da imprensa à Casa, reformar e ampliar o comitê de imprensa, com a criação de um espaço para refeições, e permitir livre acesso de jornalistas a todos os espaços públicos da Câmara.
Um levantamento do Pacto mostrou que organizações da sociedade civil são minoria absoluta entre os credenciados pela Câmara: enquanto existem 168 credenciados representando empresas, há apenas 25 credenciados da sociedade civil.
10) Exigência de planos de gestão para candidatos à presidência da Câmara
A ONG quer obrigar candidatos à presidência da Câmara a apresentar planos de gestão como parte do processo de registro de candidaturas. O documento incluiria propostas para as áreas de políticas públicas, aprimoramento dos processos internos e modernização da Câmara dos Deputados para o biênio em questão.
Veja abaixo outras quatro propostas que introduzem inovações ao regimento interno:
1) Criação de regras para os grupos de trabalho
O Pacto quer a inclusão de um novo artigo no regimento que defina o que são os grupos de trabalho, seus objetivos, regras de funcionamento, além de normas para garantir transparência e controle socia. Isso porque o documento interno da Casa não estabelece regras claras para a operação desses colegiados.
2) Ampliação dos espaços de participação social no processo legislativo
Entre as recomendações estão a de criar a possibilidade de iniciativa popular para a apresentação de PECs ou de emendas às proposições, instituir regras que confiram maior celeridade à tramitação das propostas desse tipo de iniciativa e instituir um mecanismo de assinatura eletrônica para coleta de apoiadores de projetos de iniciativa popular, entre outras.
3) Fortalecimento da representação das mulheres
A ideia é garantir à Secretaria das Mulheres as mesmas atribuições que são conferidas às bancadas partidárias e aos blocos parlamentares. Além disso, estabelecer representação mínima de deputadas na Mesa Diretora, nas comissões temáticas e especiais, no Conselho de Ética e nos grupos de trabalho.
4) Criação da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial
Entendendo que a população negra é subrepresentada na Câmara, a ideia é criar a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial como instituição formal na Casa, seguindo o modelo da Secretaria da Mulher.
“A atuação da Secretaria da Mulher trouxe avanços significativos para a bancada feminina, que conquistou voz e voto no Colégio de Líderes; tempo de fala no plenário equivalente ao das lideranças partidárias; infraestrutura de apoio aos serviços parlamentares; divulgação de atividades legislativas pelos canais de comunicação da Câmara; uma agenda contínua de eventos e participação em campanhas nacionais e internacionais; e a criação do Observatório Nacional da Mulher na Política (ONMP), que monitora indicadores e centraliza estudos sobre a atuação política das mulheres. Uma estrutura semelhante poderia fornecer à Bancada Negra as mesmas ferramentas, promovendo o aumento da representatividade dessa população na Câmara”.