O evento Conferência e Exposição Nacional de Inclusão e Acessibilidade (Reconecta), que teve este ano sua primeira edição nacional e virtual, contou com diálogos sobre temas como emprego, saúde, moradia, educação, entre outros, resultando na Carta Aberta do Reconecta, composta por propostas para a efetivação da inclusão de pessoas com deficiência na sociedade.
O evento foi promovido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) juntamente com entidades, movimentos sociais e outras instituições públicas ao longo dos dias 3, 4 e 5 de dezembro, com um amplo debate sobre a inclusão de pessoas com deficiência nas diversas áreas do mundo social.
A carta foi lida durante o encerramento do evento, no último sábado (5), pela vice-procuradora-geral do Trabalho, Maria Aparecida Gugel, e pela procuradora do Trabalho e coordenadora de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, Adriane Reis. Entre as propostas elencadas no documento está, por exemplo, a articulação da rede de atendimento e apoio às pessoas com deficiência, preservando-se o papel de cada elemento da rede – assistência social, medicina, fisioterapia, educação e outros –, de modo a fortalecer as conexões e otimizar os seus recursos.
Também consta na carta a proposta de “garantia de pleno acesso à educação inclusiva, aos postos de trabalhos públicos e privados, e a espaços de decisões, com ampla participação das pessoas com deficiência, por meio de tecnologias assistivas e de transporte acessível” e o “apoio dos parceiros na conscientização dos setores produtivos sobre a importância do efetivo cumprimento da reserva de cargos voltados às pessoas com deficiência”.
A procuradora e coordenadora nacional de Promoção da Igualdade, Adriane Reis, resumiu as intenções do MPT com a elaboração da carta. “O que nós queremos é sempre avançar, registrar esse conhecimento para que nós possamos caminhar no sentido de promoção efetiva da cidadania da pessoa com deficiência em todos os espaços da sua vida social, da sua vida pessoal e também da sua vida laboral. Esperamos assim ter cumprido com a nossa função de buscar a superação do preconceito que muitas vezes está relacionado à pessoa com deficiência, preconceito este que se pauta na ignorância das potencialidades e das capacidades da pessoa com deficiência”, declarou.
A vice-PGT, Maria Aparecida Gugel, explicou que todo o conteúdo do evento ficará disponível como fonte de conhecimento. “Como disse uma colega em uma das mesas, teremos um repositório de todas essas nossas mesas na página do YouTube do MPT, e vamos pedir a todos que circulem, por meio dos links, todas as falas aqui colocadas no Reconecta. Porque temos certeza que isso vai auxiliar a difusão do conhecimento”, informou.
Além da consolidação e leitura da carta, o último dia contou com diversas palestras e mesas de debate, abordando temas como esporte paralímpico, universidade e participação social, boas práticas, mulheres e meninas com deficiência, educação inclusiva, entre outros. Este último tema – “educação inclusiva” – contou com um relevante debate e com a abordagem de questões muito atuais, como o Decreto 10.502/2020, que instituiu a Política Nacional de Educação Especial, com ênfase nas escolas especiais para pessoas com deficiência. O decreto foi suspenso liminarmente pelo ministro do Supremo Dias Toffoli, na última semana.
Os movimentos sociais de defesa das pessoas com deficiência se posicionaram, durante os debates do Reconecta, contra o referido decreto, considerado como um retrocesso significativo nas políticas inclusivas promovidas nos últimos anos. Para Rita Louzeiro, pedagoga, audiodescritora e ativista da Rede Brasileira de Inclusão, o decreto representa um retrocesso muito brusco. “Defender que alguns alunos, por conta de suas condições, não devem estar em determinados lugares, e trazer isso para as práticas de políticas públicas é desrespeitoso para com o que a gente vem construindo em matéria de inclusão, não só em nível nacional, como também em nível internacional”, completou a ativista.
Dia 04/12
A programação de sexta-feira (4) também contou com debates importantes, abordando temáticas como moradia para pessoa com deficiência, direito à assistência social, reconhecimento da capacidade civil, entre outras. Este último tópico foi debatido com profundidade e diversidade em uma mesa de diálogos com participação de diversos representantes de movimentos sociais e especialistas.
A mediação desta mesa ficou a cargo de Debora Seabra de Moura, primeira mulher com Síndrome de Down a exercer o ofício de professora no Brasil. “Quero agradecer o convite para mediar essa mesa tão importante. Vai ser discutido o tema ‘Reconhecimento da Capacidade Civil’. Farão parte desta mesa autodefensores dos direitos das pessoas com deficiência”, declarou Deborah, abrindo os trabalhos da sala.
A representante da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down Ana Cláudia Figueiredo fez uma exposição bastante didática sobre o tema, explicando inclusive o conceito de capacidade civil. “Capacidade jurídica tem a ver com a possibilidade de as pessoas fazerem atos no mundo jurídico, atos que têm relevância. Se eu por acaso pego esse copo com água, isso é um ato – eu tenho capacidade de levantar esse copo. Mas isso não tem relevância, importância no mundo jurídico. Mas, quando eu decido me casar, por exemplo, isso vai mudar toda a minha vida, isso vai implicar mudanças, então isso é um ato relevante no mundo jurídico. A capacidade jurídica tem a ver com a prática desses atos, com ser titular, ser dono de direitos e dono de obrigações”, esclareceu a advogada.
A especialista abordou a evolução da legislação relativa às pessoas com deficiência, e destacou a mudança de paradigma que a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, promulgada em 2009 no Brasil, representou no reconhecimento da capacidade civil da pessoa com deficiência, em especial por meio de seu artigo 12. “Esse artigo 12 adotou um paradigma da faculdade jurídica universal, ou seja, todas as pessoas, em princípio, têm capacidade – é universal, todas as pessoas”, explicou. Antes da convenção, as pessoas com deficiência, ao atingirem a maioridade, tinham, em geral, sua capacidade civil reduzida ou retirada.
Carlos Henrique Viana, conselheiro da Federação Nacional das Associações Pestalozzi (Fenapestalozzi – região Centro-Oeste) falou sobre a busca contínua por direitos e dignidade. “Devemos ir sempre nessa luta, nessa batalha. Ontem, dia 3 de dezembro, é um dia internacional, um dia muito importante para as pessoas com deficiência, um dia que a gente tem que bater palma, mas um dia também que a gente tem que relembrar, e nunca parar com essa luta. A luta é dia a dia, mês a mês e ano a ano. A luta nunca para, porque o preconceito ainda existe. Melhorou muito, de 50 anos para cá, de 100 anos para cá. Mas ainda tem muito o que melhorar”, declarou o ativista.
Cultura
O segundo dia de evento, sexta-feira (4), também contou com a peça de teatro acessível “Os Inclusos e os Sisos”, trazida pela ativista, jornalista, escritora especializada em inclusão e democracia e fundadora da ONG Escola de Gente – Comunicação e Inclusão, Cláudia Werneck.
Cláudia Werneck explica que o grupo de teatro acessível presencial foi criado desde 2003, tendo como fundadores o diretor Diego Molina e a atriz Tatá Werneck, sua filha. Mas foi um desafio mantê-lo durante a pandemia e trazê-lo para o mundo virtual. “Porque ninguém imagina o que é você praticar um espetáculo com Libras, legenda e audiodescrição, juntando tecnologia, com online e ao vivo”. Ela conta que o primeiro espetáculo virtual totalmente acessível da internet brasileira foi exibido em setembro deste ano e que esta será a segunda apresentação desse tipo, com a peça “Os Inclusos e os Sisos”, durante o Reconecta 2020.
Para a jornalista, “sem acessibilidade, a arte não existe. Porque a arte, ela é, por natureza, democrática. E você não tem democracia, sem acessibilidade comunicacional. Se você não exerce seu direito à comunicação de modo amplo, contemplando todos os modos legitimamente humanos das pessoas receberem e passarem informação, de receberem conteúdo e opinarem sobre esse conteúdo, a gente não consegue estruturar uma sociedade democrática”, conclui.
Abertura
No primeiro dia de evento, quinta-feira (3), a mesa de abertura contou com a presença de representantes de movimentos e de diversas autoridades. A vice-procuradora-geral do Trabalho, Maria Aparecida Gugel, iniciou os trabalhos chamando a sociedade para o debate e expondo o compromisso do MPT nesta temática. “Sintam-se todos em suas casas, na casa virtual do MPT. Pois estamos comprometidos com a implementação, a realização da convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência e a lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência”, disse a vice-procuradora-geral.
Também participou da abertura o procurador-geral do Trabalho, Alberto Bastos Balazeiro, que destacou os desafios de procuradores e servidores MPT para a realização do Reconecta nacional – um evento presencial, mas que por conta da pandemia precisou ser promovido virtualmente. “Mudamos, adaptamos e vemos hoje o sonho sendo realizado”, disse Balazeiro, acrescentando que o evento tem a adesão de representantes da sociedade civil e ações das regionais do MPT. “As ações aqui são a semente da união de instituições e da construção coletiva de novas propostas e iniciativas dessa temática tão relevante. Todos sairemos deste evento, reitero, histórico, reconectados com uma sociedade para todos e todas, acessível, inclusiva e humana”.
Sobre o evento
O evento foi gratuito e transmitido por meio de um site oficial. No portal do Reconecta, também é possível encontrar documentos referentes às atividades bem como a programação de cada uma das três salas de transmissão. Outra ação importante é a disponibilização, no site oficial do evento, de um mural com vagas de emprego destinadas a pessoas com deficiência e/ou reabilitados pelo INSS. São mais de 3.600 oportunidades de trabalho, conforme o mural de vagas publicado no portal.
Durante o evento, algumas procuradorias regionais do MPT tiveram programação própria, com a participação de entidades e órgãos locais que são parceiros na luta pelos direitos das pessoas com deficiência bem como de representantes do setor empresarial. Promoveram seus próprios debates as unidades do MPT nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Piauí, Distrito Federal, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Campinas.
O Reconecta foi lançado em 2018 pelo MPT no Espírito Santo (MPT-ES) como uma iniciativa de âmbito estadual. O evento promoveu ambiente de intensa imersão ao mundo das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida e contribuiu na ampliação do debate sobre inclusão e acessibilidade. O sucesso tanto dessa edição quanto da edição realizada em 2019 no estado fez com que o Reconecta se tornasse uma iniciativa nacional em 2020.
Fonte: Procuradoria-Geral do Trabalho.