Não é de agora a crise dos media, mas a pandemia de covid-19 veio acelerá-la e a primeira consequência é a cada vez maior escassez de meios financeiros para fazer investigações jornalísticas aprofundadas. A que se soma a diminuição do número de profissionais dedicados especificamente à investigação por causa do emagrecimento das redacções, e a “crescente falta do tempo necessário para prosseguir trabalhos de investigação complexos”. O resultado desta conta é uma cada vez maior dificuldade dos jornalistas “cumprirem o seu papel de vigilantes (watchdog) do poder”.
Como se contorna o problema e se trava a erosão do sector que é um dos pilares da democracia? Com medidas políticas para os media, com a actuação mais participativa dos órgãos de comunicação de serviço público.
As conclusões são do projecto The Media for Democracy Monitor 2020 (Monitorizando o Contributo dos Media para a Democracia), em que participam investigadores do Euromedia Research Group (EMRG) que analisaram a situação em 18 países de quatro continentes – Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Coreia do Sul, Dinamarca, Finlândia, Grécia, Hong Kong, Islândia, Itália, Países Baixos, Portugal, Reino Unido, Suécia e Suíça.
Tal como em todos os outros sectores da sociedade, a covid-19 só contribuiu para agravar a já difícil situação dos media. A redução da investigação é generalizada, ainda que existam países onde a quebra é menos acentuada. E o recurso à subsidiação pública tem sido uma das poucas soluções em diversos Estados.
“A existência de jornalismo de investigação é proporcional à capacidade financeira dos órgãos de comunicação. Uma vez que a própria sobrevivência económica de muitas empresas de media se tornou a primeira e mais urgente prioridade, o jornalismo investigativo acaba por sofrer com isso”, lê-se no comunicado da EMRG.
Em Portugal, “a generalidade dos meios de comunicação reconhece que a situação económico-financeira é muito difícil e que os recursos para o jornalismo de investigação são escassos”, diz o estudo. “Ainda assim, recordam que os jornalistas têm sido decisivos na descoberta e denúncia de alguns dos casos de maior impacto público no passado recente”, assinala o comunicado do EMRG, que realça que as até as televisões procuram “manter maior atenção ao jornalismo investigativo, seja através de programas semanais, seja através de reportagens de média duração que se tornaram frequentes nos noticiários da noite”.
Ainda assim, além de algumas manchetes próprias, a comunicação social portuguesa, devido à sua pequena dimensão, depende muito das agências noticiosas e o jornalismo de investigação tende a estar concentrado em quatro ou cinco órgãos, aponta o EMRG.
A imprensa (sobretudo, mas também as televisões) tem apostado na participação em consórcios internacionais de investigação jornalística, que se revelaram fundamentais para processos como o Luanda Leaks ou o Novo Banco. “Todos os recentes escândalos políticos e económicos do país têm sido revelados publicamente por jornalistas”, vinca o estudo.
No caso português, entre os media consultados, a Rádio Renascença admitiu ter limitações nos recursos materiais embora ainda assim procure não depender muito das agências noticiosas e apostar nos conteúdos próprios. E o PÚBLICO também foi no mesmo sentido: “A ambição e missão de um jornal como o nosso exigiria muito mais recursos, tanto humanos como materiais”, afirmou a direcção ao investigador Joaquim Fidalgo, da Universidade do Minho, o responsável pela parte portuguesa do estudo.
Apesar destes lamentos, o Expresso e o Correio da Manhã mostraram-se mais optimistas. O segundo garantiu ter “todos os recursos necessários para produzir” aquele modelo de jornal e que “nunca uma investigação foi abandonada por falta de recursos materiais”. O Expresso afirmou ter “recursos suficientes” para o seu trabalho, incluindo para fazer reportagem e investigação. Porém, não será alheio o facto de ter sinergias com a SIC, a TV também do grupo Impresa. Canal que, tal como a RTP, desenvolveu uma equipa de investigação porque nos últimos anos as peças de formato maior (10 a 15 minutos) têm cada vez mais audiência, tanto integradas nos noticiários como em programas semanais dedicados só às reportagens de investigação.
Soluções
Têm sido várias as soluções a que os media recorrem. Na Finlândia, Islândia, Países Baixos e Bélgica houve políticas de subsidiação para investigação em projectos jornalísticos de qualidade. Mas na Finlândia a empresa de serviço público decidiu manter tudo como estava na equipa que se dedica a trabalhos de investigação. Já na Suécia, alguns media privados de âmbito nacional “tentam canalizar 10% dos seus orçamentos editoriais para trabalhos e investigação”, mas os regionais e locais não têm essa disponibilidade financeira.
Na Dinamarca, os jornalistas sinalizaram também um esforço dos maiores órgãos de comunicação social para manterem equipas específicas dedicadas a trabalhos de investigação. E no Reino Unido, a braços com as consequências económicas do Brexit a que se somam as da covid-19, apesar de haver ainda alguma dinâmica na produção de trabalhos jornalísticos de investigação, vão-se sentindo cada vez mais as pressões financeiras.
É o que acontece na Austrália, como identifica o estudo: reduziram-se os meios em geral, mas as televisões e as rádios (sobretudo as primeiras) ainda conseguem apresentar resultados.
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