As vendas de cimento em dezembro somaram 4,5 milhões de toneladas, um crescimento de 0,3% em relação ao mesmo mês de 2022, de acordo com o Sindicato Nacional da Indústria de Cimento (SNIC). Com esse resultado, o setor termina o ano de 2023, com um total de 62 milhões de toneladas de cimento vendidas, uma retração de 1,7%, ou seja, 1,1 milhão de toneladas a menos sobre o ano anterior.
É a segunda queda anual registrada após recuo de 2,8% em 2022. Até então, no triênio 2019-2021, mesmo com a pandemia, o setor registrava crescimentos de 3,8% em 2019, 10,8% em 2020 e 6,8% em 2021, tendo recuperado 12 milhões de toneladas das 19 milhões perdidas no período 2015-2018.
A taxa de juros se manteve elevada durante todo o ano de 2023, começando com 13,75% e fechando com 11,75%. Mesmo após o ciclo de queda iniciado em agosto, o mercado ainda não sentiu os efeitos da política do Banco Central. A alta taxa de juros tem reflexo no preço final do financiamento imobiliário, incentiva uma migração para investimentos em produtos financeiros e tem forte impacto nos custos de produção.
Nesse sentido o setor imobiliário – atualmente o principal indutor do consumo de cimento – apresentou queda significativa no número de lançamentos, contribuindo negativamente para o ano 2023. Dados até setembro apontam uma redução de 16% de novos empreendimentos¹ e um crescimento de 6,5% nas vendas de imóveis, este movimento reduz o estoque de obras e consequentemente a demanda por cimento. O número de unidades imobiliárias financiadas pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) caiu 39% no acumulado até outubro.
Em fevereiro, o governo retomou o Minha Casa Minha Vida (MCMV), entretanto, sua regulamentação só aconteceu em junho, fazendo com que o desempenho do programa só começasse a ser percebido no segundo semestre. A participação do MCMV nos lançamentos até junho era de aproximadamente 30% e no terceiro trimestre aumentou para 46%.
Apesar da recuperação do mercado de trabalho e a redução do desemprego, o rendimento da população não se comportou da mesma forma, os salários ainda estão no nível pré-pandemia, ou seja, em três anos não houve ganho real. Esse movimento reduziu o poder de compra da população e o resultado pode ser visto no alto endividamento das famílias, que atingiu 47,7% em setembro e na inadimplência2 recorde em 2023. O pico foi atingido em outubro, com 71,95 milhões de indivíduos inadimplentes.
As condições climáticas extremas enfrentadas ao longo do ano, com temperaturas e chuvas acima da média e seca em algumas regiões do país, refletiram na comercialização do cimento e comprometeram os cronogramas das obras.
Os baixos investimentos em infraestrutura também impactaram a venda do produto. Em 2023 o governo relançou o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), com previsão de desembolso de R$1,4 trilhão entre 2023 e 2026. Até o momento o programa não tomou a velocidade necessária e já sofreu cortes para o orçamento de 2024.
Para reverter esse cenário é imprescindível ampliar os investimentos na construção civil e incluir o pavimento de concreto como opção nas licitações de ruas e rodovias, por ser um método construtivo de maior durabilidade, mais econômico, ter mais conforto e segurança para os usuários e ainda exercer menor impacto ambiental.
Em apoio à agenda climática, a indústria do cimento tem promovido esforços significativos para reduzir o impacto gerado ao meio ambiente, com ações que levaram o Brasil a se tornar uma das referências mundiais entre os países com a menor emissão de CO2 por tonelada de cimento produzida no mundo.
O coprocessamento, atividade responsável pela transição energética substituindo o combustível fóssil por resíduo industrial, comercial, doméstico e biomassas, alcançou 30% de participação na matriz energética do setor, antecipando a meta prevista para 2025.
A atividade, inserida na economia circular, atingiu sua melhor marca em 2022 desde o início das medições. Foram 3,035 milhões de toneladas de resíduos processados, sendo 2,856 milhões de toneladas de combustíveis alternativos e 179 mil toneladas de matérias-primas substitutas. Ao todo, a troca de combustíveis fósseis por alternativos contribuiu para que fossem evitadas cerca de 2,9 milhões de toneladas de CO2 no ano.
Foi o que revelou o Panorama do Coprocessamento 2023 (ano base 2022), divulgado durante o 8º Congresso Brasileiro do Cimento (CBCi), principal evento das cadeias de valor do cimento e produtiva da construção, que reuniu 430 participantes e 51 conferencistas, nacionais e internacionais em novembro último.
Durante o CBCi, a indústria brasileira do cimento lançou também as bases do Roadmap Net Zero para acelerar a transição rumo a uma economia neutra em carbono. O setor, que internacionalmente foi o primeiro a firmar um compromisso de neutralidade climática em escala global, dentro do programa Race to Zero da ONU, agora avança no seu compromisso de neutralidade climática no Brasil.
A ideia do posicionamento da indústria nacional é partir do Roadmap de Mitigação, lançado em 2019 e que apontava meios para reduzir a emissão de CO2 na produção de cimento, e ampliar para o ciclo de vida do produto incorporando o concreto, a construção, a eletrificação, entre tantas outras ramificações, que permitam alcançar a neutralidade climática do setor até 2050.
A iniciativa vem num momento mais do que oportuno, quando se discute no âmbito federal – com ativa participação da indústria do cimento – o estabelecimento de metas setoriais de descarbonização e a implementação de um mercado de carbono para o país. O atingimento da neutralidade de emissões pelo setor exigirá, entretanto, muito além do incondicional esforço e comprometimento da indústria do cimento, a ampla participação e cooperação de importantes stakeholders, como agentes da construção, agências de fomento, entidades representativas, governos nos seus diferentes níveis e academia.
“O desempenho da indústria do cimento vem em linha com as projeções do SNIC, que apontava a baixa performance dos setores habitacional, saneamento e logística, as altas taxas de juros e o elevado endividamento das famílias. As condições climáticas extremas com temperaturas e chuvas acima da média e seca em algumas regiões brasileiras impactaram diretamente as vendas do produto. Vale destacar os avanços ambientais da indústria brasileira do cimento como referência mundial com menores emissões de CO2 e seu projeto de neutralidade de carbono em franco desenvolvimento”
Paulo Camillo Penna – Presidente do SNIC
TABELA
GRÁFICO
Perspectivas 2024
Depois de dois anos consecutivos de queda, a indústria brasileira do cimento espera crescer no próximo ano, influenciadas em parte pelos avanços em projetos de infraestrutura, já sinalizados pelo governo para 2024, e no desenvolvimento urbano, principalmente nas áreas de habitação e saneamento.
Com referência ao setor habitacional, o sistema construtivo Paredes de Concreto é uma solução para programas como o Minha Casa, Minha Vida, por trazer como benefícios a padronização e velocidade de construção, três vezes mais ágil para construir do que o sistema convencional, permitindo as construtoras utilizarem em projetos com prazos apertados e alta repetitividade.
Em relação aos investimentos previstos em rodovias, vale lembrar que o Brasil possui 1.721.000 quilômetros de estradas e rodovias, isso faz do país o dono da 4ª maior malha rodoviária do mundo. Por outro lado, há um dado que assusta: somente 12,4% da malha viária é pavimentada.
Nesse sentido, o setor vê o uso crescente de cimento e concreto à medida que os governos de alguns estados estão implementando mais uso de pavimento rígido para pavimentação de estradas e avenidas. No que tange a aplicação e uso de soluções para as cidades, o setor segue apoiando os municípios brasileiros com sistemas construtivos que atendam as necessidades locais por infraestrutura e tragam melhorias a favor da mobilidade urbana, saneamento, espaços públicos e habitação.
O Hub de Inovação e Construção Digital (HubiC), uma parceria da indústria do cimento com a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) está focado no desenvolvimento de projetos de cimentos, concretos e sistemas construtivos mais eficientes e de menor pegada ambiental. Uma das inovações é o uso de uma impressora 3D utilizando concreto para construir cômodos ou até mesmo casas e prédios inteiros. O próximo desafio está marcado para março quando o projeto impresso será a entrega de uma cozinha completa de concreto.
A perspectiva para 2024 é positiva. O crescimento da massa salarial, aliado ao aumento do crédito proveniente do início da flexibilização monetária e de programas como o “Desenrola” e o Marco Legal das Garantias de Empréstimos podem impulsionar a atividade. A inflação está cedendo e com viés de baixa, permitindo o Banco Central manter as reduções da taxa de juros.
Os preços das commodities pararam de subir, mas permanecem altos, e podem estimular a atividade econômica e melhorar a arrecadação do governo, sem prejudicar a inflação.
O setor de saneamento prevê retomada de concessões e a expectativa é de investimentos de R$27 bilhões em 2024. Já no setor habitacional, caso o previsto no programa MCMV de entregar mais de 500 mil unidades por ano seja realizado, demandaria cerca de 2,5 milhões de toneladas de cimento.
Com isso as projeções do SNIC apontam uma retomada de crescimento na demanda de cimento. A expectativa é de uma alta em torno de 2%, desde que se efetivem programas com ênfase para a habitação, o saneamento e logística, entre outros, recuperando parte das perdas acumuladas nos dois últimos anos.