O Brasil começa a recuperar timidamente o pulso do turismo, um setor que antes da pandemia de Covid-19 representava 3,71% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e emergia como uma atividade fortemente geradora de empregos em todas as faixas de renda.
Com cautela, as expectativas ficam mais otimistas por meio da imunização de boa parte da população e muitas pessoas já circulam em aeroportos e terminais rodoviários brasileiros. Só que, para além da preocupação com os riscos de transmissão do coronavírus, pouca gente se atenta quanto a outro perigo que encontra nesses espaços um terreno fértil para proliferação: o tráfico de pessoas.
E foi com o objetivo de conscientizar a sociedade sobre a importância de combater esse tipo de crime que o Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS) promove, ao longo do mês de julho, a divulgação de campanha relacionada ao tema nos municípios de Campo Grande, Dourados, Três Lagoas, Corumbá e Ponta Porã, cidades mais densamente populosas do estado e algumas localizadas em região fronteiriça. A iniciativa contempla veiculação diária de vídeos em monitores televisivos de terminais rodoviários, publicações nas redes sociais, outdoors, websérie dividida em 18 episódios com debates no canal do Youtube da Associação Brasileira de Defesa da Mulher da Infância e da Juventude (Asbrad), reportagens, divulgação de spots de rádio, entre outras ações que possam imprimir ampla visibilidade de caráter elucidativo.
Tudo faz parte do Projeto Liberdade no Ar, do MPT, concebido para marcar a data emblemática de 30 de julho, Dia Mundial e Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Neste ano, assim como em 2020, a campanha conta com a adesão de empresas do setor aéreo, como as concessionárias dos aeroportos internacionais de Fortaleza (Fraport), do Rio de Janeiro (RIOGaleão) e de Campinas (Aeroportos Brasil Viracopos). A iniciativa também acontece nos aeroportos de Congonhas, em São Paulo, Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e de Curitiba.
Extrema vulnerabilidade
Viver em um país sem guerra, ter liberdade dentro da própria nação, ser valorizado profissionalmente, são motivos que diariamente levam milhares de pessoas a aceitarem propostas “encantadoras” para saírem de seus territórios. Mas a esperança por uma vida melhor faz com que vários riscos sejam inseridos na bagagem para fugir da atual realidade. Boa parte deles são configurados como “tráfico de pessoas”, em que sonhos são substituídos por trabalho em condição análoga à de escravo e até exploração sexual.
O tráfico de pessoas é caracterizado pelo “recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração”. A definição está inserida no Protocolo de Palermo, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto nº 5.017/2004 e da Lei nº 13.344/2016.
Antes da lei, o Código Penal brasileiro criminalizava o tráfico de pessoas apenas na modalidade para exploração sexual. Com a norma, o artigo 149-A passou a criminalizar também o tráfico de seres humanos para fins de trabalho análogo à escravidão, adoção ilegal e comércio ilegal de órgãos.
Perspectivas de retrocesso
A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que existem cerca de 12,3 milhões pessoas em situação de trabalho forçado no mundo, das quais 2,4 milhões foram vítimas de tráfico de pessoas e aliciadas, por exemplo, para o trabalho doméstico, em navios de cruzeiro e indústria pornográfica.
Agora, em razão da pandemia de Covid-19, a previsão da ONU é de que o PIB mundial diminua em US$ 2 trilhões, o que significa que a superação da pandemia será seguida de grave recessão global. Nesse contexto, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) alerta que os efeitos serão de grande alcance, empurrando milhões de pessoas para o desemprego, ampliando a escalada da fome e da miséria, com risco real de aumento dos casos de trabalho em condição análoga à de escravo e tráfico de pessoas.
De acordo com a OIT, o crime movimenta US$ 150 bilhões por ano. A prática é a quarta atividade criminosa mais lucrativa do mundo, atrás da extração de madeira, do narcotráfico e da falsificação. A organização ainda projeta mais de 20 milhões de pessoas em “trabalho forçado, sexualmente explorado ou mantido em condições análogas à escravidão”.
Lys Sobral Cardoso, titular da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete) do MPT, adverte para essa ameaça. “Apesar de ainda não termos consolidadas informações sobre o número de casos de tráfico de pessoas e de trabalho escravo no período da pandemia, existe um indício forte de que esse aumento possa ter existido e venha a existir devido ao aumento da situação de vulnerabilidade das pessoas. Isso, infelizmente, é determinante para a ocorrência dessas formas de exploração”, sublinhou.
Liberdade no Ar
Para sensibilizar passageiros, funcionários de aeroportos e empresas aéreas sobre a importância do combate ao tráfico de pessoas e trabalho escravo, o MPT instituiu em 2020 o projeto Liberdade no Ar.
De acordo com a gerente do projeto, Andrea Gondim, é fundamental aliar ao eixo repressivo, ações preventivas que promovam a compreensão de toda a comunidade sobre o tráfico de pessoas e o trabalho em condição análoga à de escravo. “A expansão do projeto Liberdade no Ar, para além da comunidade aeroportuária, foi um movimento natural que surgiu a partir da provocação dos parceiros, considerando que em diversos casos as vítimas percorrem longas viagens, realizando parte do trecho por meio aéreo, mas utilizando ônibus e embarcações”, disse.
Segundo a vice-gerente do projeto Liberdade no Ar, Cristiane Sbalqueiro, “a oportunidade de compreender o tráfico de pessoas sobre as mais variadas perspectivas lançará luzes sobre formas criativas de combater essa prática e de apoiar pessoas vulneráveis, para que elas não caiam nesse tipo de cilada”.
Para denunciar casos de tráfico de pessoas, contrabando de migrantes, tráfico de mulheres e outros crimes semelhantes às autoridades brasileiras, disque 100 ou ligue para o número 180.
Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul.