Com a segunda maior população indígena do Brasil, Mato Grosso do Sul nunca teve um parlamentar que representasse os povos originários. Dominado pelo agronegócio, o Estado sempre vota políticas que beneficiam os fazendeiros e retiram direitos dos indígenas. Para começar a mudar essa realidade, a candidata a deputada estadual Val Eloy Terena decidiu acessar o espaço político e fez o lançamento oficial de sua candidatura durante a 15ª Assembleia Terena, que aconteceu de 24 a 27 de agosto, na aldeia Brejão, localizada em Nioaque (MS). O ato aconteceu na sexta-feira (26), na noite cultural.
A candidata entrou acompanhada por lideranças femininas terenas e seguida pelos jovens guerreiros, que realizavam a dança da ema. Após a apresentação, centenas de indígenas ouviram atentos o discurso forte e emocionado da candidata, que agradeceu por fazer o lançamento oficial na assembleia de seu povo.
“É uma grande honra fazer este lançamento dentro de uma terra indígena, ao lado dos meus irmãos. Ter este apoio me energiza e fortalece para continuar nessa caminhada. Lutarei por nossos direitos, saúde, educação, cultura, segurança e por nossos territórios, que cada vez mais vem sendo tomados sistematicamente por essa política que não vê o lado da mãe terra, somente o dinheiro”, ressaltou Val.
Apesar de ter cerca de 85 mil indígenas, segundo dados da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), o Estado nunca teve um indígena eleito para algum cargo do pleito estadual. Com o apoio que tem recebido dentro das aldeias, Val Eloy pode romper essa barreira e ser a primeira mulher indígena a ocupar uma das 24 cadeiras da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, que atualmente tem uma única deputada e uma grande bancada do agronegócio.
O discurso de Val Terena inspirou os presentes. A professora e coordenadora das mulheres do Conselho Terena, Evanilda Terena, acredita que a candidata será um espelho para todos os indígenas do Estado. “Ela se encorajou e saiu como candidata, é uma inspiração para que mais mulheres participem deste movimento e tenham a coragem que ela teve”, afirmou. “Dentro da Assembleia Legislativa, ela vai nos ajudar muito, vai olhar cada comunidade e território, ela já foi cacique, sabe como comandar e organizar os territórios. Já tem essa experiência, agora precisa usá-la na política”, emendou.
O auxiliar administrativo Maike Terena acredita que Val falará a mesma língua da luta dos povos, já que ela vive de perto este enfrentamento. “Os políticos de nosso Estado procuram nossas comunidades no período de eleição e depois somem, não nos atendem quando são eleitos. Ter uma mulher indígena, que é liderança, vai facilitar muito nosso acesso e até a conseguir futuros mandatos”, presume.
Ainda estiveram presentes no lançamento o cacique da aldeia Brejão, Adelvar Barbosa, lideranças indígenas de todo o Estado, representação dos povos Pataxó Hãhãhãe, Xukuru, Tuxá, Munduruku, Kaingang, Guarani e Kaiowá, Kadiwéu e Kinikinau.
Territorialidade e preservação da natureza
As terras indígenas do sul do Estado, são consideradas hoje um dos piores lugares do país para se viver. Um verdadeiro massacre acontece na retomada de terras invadidas pelos fazendeiros, que usam a região para plantar soja e milho, que, em sua grande parte, vão para exportação e não chega à mesa dos brasileiros. Nestes conflitos, somente durante o mês de junho, dois indígenas foram mortos e sete ficaram feridos, dentre eles três adolescentes, em Amambai.
“Não queremos Mato Grosso do Sul com o vermelho do nosso sangue indígena e sim com o vermelho do urucum. Não queremos Mato Grosso do Sul com o verde do agronegócio, da soja, e sim com o verde de nossas matas e florestas. Antes de Mato Grosso do Sul ser a terra do gado, ele era terra do jenipapo. Temos que ocupar a política, nos empoderar, participar e contribuir nos processos de tomada de decisão para que não percamos ainda mais irmãos”, frisou a candidata.
Por lá, antes do deslocamento forçado que aconteceu entre os anos 1915 e 1928, os Guaranis e Kaiowás ocupavam uma área próxima a 40 mil quilômetros quadrados. Hoje em dia estão espremidos em reservas que possuem no máximo 36 quilômetros e, cada vez mais, perdem seus territórios devido à política atual. Conforme dados do Cadastro Ambiental Rural, as grandes fazendas ocupam 83% da área de Mato Grosso do Sul, enquanto as 48 terras indígenas demarcadas somam juntas 2,5%, de acordo com dados da Funai (Fundação Nacional do Índio).
A discussão da territorialidade é uma das plataformas de luta da candidata, já que em todo o Estado, indígenas ficam ilhados em seus territórios, cercados por criações de gado e plantio de soja advindas de terras usurpadas pelos fazendeiros. “Nossos territórios são sagrados e temos que manter a preservação de nossas terras, são nossas florestas que garantem a conservação de nosso planeta, que combatem o avanço das mudanças climáticas. Os grandes fazendeiros têm destruído nosso solo, nossas florestas e matas, poluindo nossos rios, tudo isso para que fiquem ainda mais ricos”, pondera.
Assessoria.