Um rastro positivo de esperança e recomeço. Esse é o sentimento partilhado por quatro adolescentes que, durante o cumprimento de medidas socioeducativas na Unidade Educacional de Internação (Unei) Dom Bosco, em Campo Grande, participaram do curso Pedreiro de Revestimento e, agora, projetam um novo caminho para restabelecer a dignidade e romper com a segregação imposta pela sociedade.
A cerimônia de certificação ocorreu na manhã dessa quarta-feira (4) e contou com a presença de representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Estado de Mato Grosso do Sul – por meio da Secretaria de Justiça e Segurança Pública, do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e da Unei Dom Bosco.
Dirigindo-se aos socioeducandos e aos seus familiares, a procuradora-chefe do MPT-MS, Cândice Gabriela Arosio, destacou o impacto positivo da iniciativa na vida dos jovens.
“É um esforço de muitas mãos, de muitas pessoas, inclusive dos adolescentes que estão nessa missão de retornar à sociedade com condições mais dignas de vida. Por meio deste curso, eles tiveram acesso ao registro na carteira profissional do contrato de trabalho firmado com a empresa BrásRáfia, que precisava cumprir a cota legal de aprendizagem, e sairão da unidade de internação com experiência na área da construção civil, extremamente potente no nosso estado, para oferecerem nas futuras entrevistas de emprego”, ressaltou Arosio.
Na sequência, a coordenadora de medidas socioeducativas, da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, Ana Elisa Vignolli Loango Maran, definiu ser aquele um momento de celebração para os adolescentes e seus familiares e agradeceu a cooperação com o MPT e o Senai para que avanços socioeducativos fossem alcançados.
Já o gerente de Gestão de Negócios do Senai da Construção, Plínio da Costa Gratão, observou a conclusão do curso como sendo uma oportunidade para que os adolescentes comprovem, mediante atos, que estão dispostos a trabalhar e exercer, de forma regular, uma profissão.
Novos percursos
Em vigor desde 2017, o projeto Medida de Aprendizagem tem mudado a trajetória tradicional de jovens em conflito com a lei, proporcionando uma qualificação que equaciona habilidades técnicas e formação humana, na qual eles têm contato, muitos deles pela primeira vez, com noções de princípios éticos e morais, direitos e deveres perante a sociedade, que são fundamentais para uma reintegração efetiva.
O adolescente J. V. M. S., de 17 anos, está entre os internos certificados no curso Pedreiro de Revestimento, integrado à Aprendizagem Industrial Básica. Antes de chegar à Unei Dom Bosco, ele engrossava as negativas estatísticas do número de jovens que pertencem a famílias de baixa renda, abandonam os estudos e passam a ser explorados em atividades ilícitas. Há 18 meses no regime de internação, ele espera com diploma em mãos ampliar suas perspectivas e trilhar um futuro próspero. “Nesta jornada, aprendemos não apenas as técnicas de construção, mas a importância do trabalho em equipe. Eu quero ser uma pessoa diferente e que este seja o início de uma carreira cheia de realizações”, idealizou.
Também aos 17 anos, o formando K. B. L. anseia um recomeço distante do tráfico de entorpecentes e do envolvimento com outras atividades ilícitas. “Com este curso, aprendi a assentar piso, rejuntar, fazer cálculos. O uso de drogas me levou para o mundo do crime e, agora, eu quero arrumar um serviço para ajudar nas despesas de casa”, disse. Expectativas que foram recebidas com entusiasmo pela mãe do adolescente e de outras quatro crianças, a auxiliar de limpeza A. R. A., 33 anos. “Ele poderá trabalhar, ter esperança de uma profissão quando sair da unidade. Gostou tanto do curso que ficou triste quando acabou”, recorda.
Segundo o instrutor e engenheiro civil Wenderson Matricardi Rodrigues, o curso Pedreiro de Revestimento teve uma duração aproximada de oito meses, sendo ministrado pela Faculdade Senai de Construção dentro da unidade de internação. Os participantes foram capacitados para atuar na construção de alvenarias, com e sem função estrutural, utilizando ferramentas e seguindo todas as normas e os procedimentos técnicos, ambientais e de segurança exigidos pelo mercado de trabalho.
“Esse curso oferece amparo sobre como funciona o canteiro de obras, com disciplinas de fundações, estruturas, segurança do Trabalho, revestimentos cerâmicos e tecnologias atuais no ramo da construção civil”, detalhou Rodrigues.
Implementado desde 2018, o projeto Medida de Aprendizagem, resultado de uma parceria entre MPT, Governo de Mato Grosso do Sul, Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Senai, já qualificou mais de cem jovens em cumprimento de medidas socioeducativas, com cursos estruturados em diferentes áreas do mercado de trabalho, nas Unidades Educacionais de Internação em Campo Grande, Dourados e Ponta Porã.
Além de proporcionar conhecimento para o exercício de um ofício e possibilitar o rompimento de ciclos de reincidência em atos infracionais, durante os cursos os adolescentes tiveram contrato de trabalho registrado em carteira e receberão salário mínimo hora, férias, 13º salário proporcional ao período do curso, bem como outros direitos sociais – descanso semanal remunerado e recolhimentos previdenciários e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (este fixado em 2%). Os valores ficam depositados em uma conta judicial, sendo resgatados após a saída da unidade de internação.