Mostrando que a arte não fica só dentro de museu ou galerias, grafiteiros fizeram da rua do Comércio, na Vila Nhanhá, um mural a céu aberto. O Campão Graffiti: Arte Urbana e Cultura, que aconteceu de quinta-feira (6) a domingo em Campo Grande, reforçou a força do graffiti como expressão cultural e ferramenta de transformação social.
O evento levou oficinas para estudantes das escolas municipais Prof. João Cândido de Souza (Anache), na quinta-feira (6), e Ione Catarina Gianoti Igydio (Noroeste), na sexta-feira (7), ambas localizadas próximas às aldeias urbanas Darcy Ribeiro e Água Bonita. A oficina foi ministrada pelo grafiteiro amazonense André Hullk, que guiou os jovens por uma experiência imersiva na conexão entre o grafite urbano e o grafismo ancestral.
“A oficina foi voltada sobre os povos originários, sobre a resistência e um pouco também sobre a vivência da minha cultura, no dia a dia. Foi essa junção entre o grafite regional e algo que traz sentido para mim e para as crianças refletirem”, compartilha Hullk, que foi convidado para o evento e ministrou a oficina ao lado do grafiteiro idealizador do Campão Graffiti, San Martinez.
O entusiasmo dos alunos resultou em murais vibrantes, onde cada traço contava uma história. Para o grafiteiro, a experiência foi uma forma de abrir portas e despertar nos jovens o olhar para a arte como instrumento de expressão e identidade.
Uma Rua que Respira Arte
Neste domingo, foi a vez da Vila Nhanhá, um bairro frequentemente estigmatizado pela vulnerabilidade social, se transformar. A Rua do Comércio se converteu em uma verdadeira galeria de arte a céu aberto, com quase todas as casas grafitadas por artistas selecionados e convidados do projeto. O evento contou também com apresentações musicais de Pretisa (Dourados), Sb Gui e Dj Murphy (Campo Grande), e batalha de tags trazendo a energia do Hip Hop para as ruas.
“Eu acho maravilhoso, porque são esses lugares que precisam da arte. A gente tem que levar para quem não tem acesso. O grafite é isso: você vai onde mais precisam, e é uma alegria. Para mim, o grafite é tudo”, emociona-se Gi Brandão, grafiteira pioneira de Dourados, que foi selecionada para participar.
A presença de artistas de fora do estado e do país reforçou ainda mais a dimensão do evento. Nomes como Ares Pillas (Luque-PY) e ArteurbanaPY (Pedro Juan Caballero-PY), além de criadores de cidades do interior, ampliaram a rede de conexões e intercâmbios culturais.
San Martinez, grafiteiro e produtor cultural idealizador do projeto, fala sobre a evolução da iniciativa: “A ideia surgiu em 2023, quando começamos a pintar as ruas da Vila Marli sem recursos. No segundo ano, conseguimos apoio da prefeitura e algumas lojas de tinta. Agora, na terceira edição, conseguimos financiamento via Lei Paulo Gustavo e trouxemos artistas de outros estados e do Paraguai. Transformamos o bairro, pintamos a ONG e levamos arte para um lugar que precisa de cor e vida”.
Ele cresceu e morou boa parte da vida na Vila Nhanhá, por isso decidiu levar arte para o bairro. “A Nhanhá é o bairro onde eu cresci, onde vivi durante um bom tempo da minha vida e aqui sempre é estigmatizado, mal falado. Só que tem trabalhadores, pessoas que estudam, pessoas de bem, e a gente tá levando essa cultura, essa transformação social e visual pra esse bairro, pra que tenha cor, tenha vida. Temos que melhorar onde vivemos, e como eu morei aqui, eu vi o bairro muito sem cultura, sem incentivo, e agora a gente conseguiu trazer esse projeto pra cá”, pontua San.
Para os moradores, a mudança foi impactante. “Ficou lindo, muito bonito mesmo. Acho que vai dar um amor maior para a comunidade. As pessoas só sabem ver a Vila Nhanhá como outro mundo, mas tem crianças talentosas aqui”, comenta Eliane Rocha, moradora do bairro há 15 anos.
Pablo Santana, que teve seu muro grafitado, também se surpreendeu: “O bagulho colorido representa a favela. Antes tava tudo meio apagado, agora fiquei vendo as letras diferentes, as cores. Ficou da hora!”.
O Grafite Como Ponte Entre Culturas
Para André Hullk, a oportunidade de estar na Vila Nhanhá foi um reencontro com sua própria história. “Eu acho que foi por isso que me encantei pelo grafite. Ele vai onde nem todo mundo vai. A criançada, os jovens desses locais normalmente não têm como ir a um museu, assistir a uma exposição. O grafite ocupa esse espaço e leva a arte até eles. E, no fim das contas, a arte nos salvou.”
Os artistas selecionados receberam um kit de pintura, alimentação no dia do evento e brindes especiais. “Toda a programação foi gratuita e acessível, reforçando o compromisso do projeto com a inclusão e a democratização da cultura”, destaca San.
O evento foi realizado com financiamento da Lei Paulo Gustavo (LPG), do MinC – Ministério da Cultura, do Governo Federal, via edital da FCMS – Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul. Contou ainda com o apoio do coletivo TransCine – Cinema em Trânsito, Vitória Tintas, Montana Colors (MTN), Sherwin Williams, Águas Guariroba e Colorgin Voldemortink.
A Vila Nhanhá agora respira cor e identidade. Os muros contam histórias, as tintas gritam resiliência e cada traço desenhado transforma o que antes era apenas concreto em uma paisagem viva, pulsante, pertencente a quem sempre esteve ali.