O Congresso derrubou na terça-feira (28/05) os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à lei que restringe a saída temporária de presos em datas comemorativas, conhecida como “saidinha”. Com a decisão, os parlamentares restringiram ainda mais as possibilidades de saídas temporárias para os detentos.
Em meados de abril, Lula sancionou parcialmente a lei sobre as “saidinhas”. O presidente vetou, porém, o trecho que impedia detentos de deixar a cadeia para visitar a família. Após análise, o Congresso, como esperado, derrubou o veto presidencial.
O texto original, aprovado pelo Congresso em março, foi apoiado pela oposição e por grande parte da base governista, e dialoga com iniciativas de endurecimento penal que vêm sendo implementadas em diversos países da América Latina sob o argumento do combate à criminalidade.
Os defensores do fim da “saidinha” afirmam que alguns presos aproveitam o benefício para não retornar à cadeia ou praticar outros crimes. O debate sobre o tema vinha ganhando corpo na última década, e foi impulsionado em janeiro deste ano após um preso beneficiado pela saidinha de Natal não retornar à cadeia e matar o policial militar Roger Dias em Belo Horizonte. O episódio levou o relator do projeto no Senado, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a incluir no texto que a norma, caso sancionada, leve o nome de Lei Sargento PM Dias.
A morte de Dias mobilizou inclusive o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Em sua conta na rede social X, ele escreveu: “Embora o papel da segurança pública seja do Executivo, e o de se fazer justiça, do Judiciário, o Congresso promoverá mudanças nas leis, reformulando e até suprimindo direitos que, a pretexto de ressocializar, estão servindo como meio para a prática de mais e mais crimes.”
O benefício hoje contempla os presos no regime semiaberto, que podem sair para estudar ou trabalhar. Os detentos precisam ter bom comportamento e ter cumprido um sexto da pena no caso de ser primário ou um quarto da pena se reincidente, e podem sair para visitas à família e atividades visando o retorno ao convívio social. Presos que cometeram crimes hediondos ou graves não têm direito.
No Natal de 2023, cerca de 52 mil presos tiveram direito à “saidinha”, e 95% deles voltaram à cadeia no prazo estipulado, segundo um levantamento do portal G1.
O texto sancionado pelo presidente amplia a lista de crimes para os quais a “saidinha” não está prevista, incluindo estupro e tráfico de drogas, além de revogar o dispositivo que permitia até cinco saídas de sete dias por ano. Após a derrubada do veto presidencial, ficam proíbas as saídas temporárias de presos para visitar a família e para praticar atividades que contribuam para o retorno do convívio social. O benefício fica mantido somente para estudo.
“Planos Bukele” se espalham pela região
Na América Latina, a repercussão das medidas de segurança pública implementadas pelo presidente de El Salvador, Nayib Bukele, levaram a demanda por maiores penas em outros países. Com uma política que mais que triplicou o número de detentos no país entre 2022 e 2023, Bukele alega que tornou a nação mais violenta do continente no país mais seguro do Hemisfério Ocidental. Como efeito, políticos de outras nações da região passaram a propor planos semelhantes.
“As populações foram muito vitimadas, e estão cansadas de sofrer crimes, é compreensível este apoio”, afirma Gustavo Fondevila, professor do Centro de Ensino e Pesquisa Econômica (CIDE) do México. “É muito comum que em contextos assim haja apoio à mão dura. Na América Latina, nos últimos 20 anos, foram reduzidas medidas cautelares e alternativas às prisões. Mas, depois de tudo isso, a situação somente piorou”, argumenta. Ele lembra que estas ações tendem a não ser efetivas em longo prazo, mas que as medidas de curto prazo têm mais apelo político.
Um dos casos emblemáticos é o Peru, que vem registrando alta na violência. No ano passado, uma pesquisa do Instituto de Estudos Peruanos (IEP) apontou que 60% dos peruanos estariam dispostos a reduzir a criminalidade mesmo que ao custo de não respeitar direitos.
No caso de roubos de celulares, o crime mais comum no país, em outubro do ano passado as penas para o delito foram elevadas para até 30 anos caso os criminosos recorram a veículos motorizados. O governo da presidente peruana Dina Boluarte pretende ainda construir um novo grande centro de detenção, contando com assessoria de uma “missão especial” do governo de Bukele.
Na Argentina, a ministra da Segurança, Patrícia Bullrich, afirmou no começo do ano que apresentaria uma reforma urgente no Código Penal, aproveitando a repercussão de um assassinato cometido por “motochorros”, como são conhecidos delinquentes que usam motos para cometer crimes no país. Durante a última campanha presidencial, o candidato a vice de Bullrich, Luis Petri, defendeu que o país “precisa de mais Bukeles” contra a violência.
“Populismo punitivo”
As medidas de “mão dura” contra o crime na região são parte do que críticos costumam definir como populismo punitivo, e apontam falta de eficácia das ações e piora da superlotação carcerária que já existe em muitos países da região. A violações de direitos em prisões lotadas, por sua vez, é considerada um fator que dificulta a ressocialização dos presos e favorece o avanço do crime organizado nesses estabelecimentos.
Fondevila lembra que a força de grupos de crime organizado presentes nas prisões acaba com frequência se voltando contra a população em geral. O professor cita o caso do México, onde 90% das cerca de 10 milhões de chamadas telefônicas envolvendo tentativas de extorsão por ano vêm de dentro das prisões.
No caso de El Salvador, após as medidas de Bukele, o país alcançou a marca de 605 presos por 100 mil habitantes, segundo a ONG Washington Office for Latin American Affairs (WOLA), tornando-se a nação com maior taxa de encarceramento do mundo. No Brasil, que detém a terceira maior população prisional do mundo, o número de detentos chegou a 832.295 pessoas no fim de 2022. O número representa um aumento de 257% desde 2000, e 230 mil presos a mais que o sistema comporta.
Em 2019, um estudo do Instituto Igarapé apontou que a maior do crescimento da população prisional na América Latina havia ocorrido na década anterior, quando avançou 60,5% enquanto a população em geral teve alta de 19,8%. Na época, a pesquisa concluiu que o número de presos na região tendia à estagnação. Fondevila, um dos autores desse estudo, afirma que houve mudanças de lá para cá nesse prognóstico. “Nos últimos anos, as populações carcerárias voltaram a subir em uma série de países, como no caso do Equador”, diz.
Para o professor, o cenário de reforço do crime organizado a partir das cadeias, por trás da recente disparada na violência equatoriana, pode se repetir em outros países, inclusive no Brasil, onde projeções apontam que a marca de um milhão de presos deverá ser rompida em breve.
Autor: Matheus Gouvea de Andrade