O Arte nas Estações, idealizado pelo colecionador e gestor cultural carioca Fabio Szwarcwald, anuncia A ferro e fogo, a exposição que encerra a itinerância do projeto em Campo Grande. Curada por Ulisses Carrilho, a coletiva ocupará o Centro Cultural José Octávio Guizzo, de 19 de dezembro a 19 de fevereiro de 2025. O Arte nas Estações foi viabilizado através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, com patrocínio master da Energisa.
“Chegamos à última exposição em Campo Grande, exibindo um total de 262 obras de 27 artistas que retratam uma imensa gama de temáticas. A pluralidade da produção pictórica apresentada é capaz de afetar todo tipo de espectador. Com isso, o Arte nas Estações impulsiona a formação de novos públicos”, celebra Fabio. “Outro ponto a ser destacado são as tecnologias de relação e de participação desenvolvidas ao longo do projeto, fomentando a construção de novos saberes e reafirmando a expressão das identidades regionais por onde passa o Arte nas Estações. Tem sido emocionante ver as comunidades locais integrarem as suas práticas e interesses ao corpo das exposições.”
Do ambiente imersivo, sai o azul e entra o amarelo. Nas paredes, entre imagens do cotidiano no campo ou na cidade, há cenas que retratam o embarque de escravos em navios negreiros, o combate e a morte de Zumbi dos Palmares, o enterro de Chico Mendes, denúncias de queimadas e desmatamento, e o exército nas ruas durante a ditadura militar. Um grande sucesso da dupla Zezé di Camargo e Luciano, canção do imaginário popular que marca a passagem do século 20 ao 21, intitula a exposição: “A música A ferro e fogo, um fenômeno da cultura de massa, narra as mazelas que assolam a vida de um indivíduo. Da vida dura, no campo social, à vontade de ter o ser amado, na esfera pessoal”, observa Carrilho.
“A ferro e fogo não dá
Com tanta indiferença vendo a vida passar
Tropeços e tropeços, pedras no meu caminho”
(A FERRO E FOGO, Zezé di Camargo e Luciano)
De acordo com o curador, a expressão também deu título a outra obra com proximidade histórica à dupla sertaneja. Lançado em 1996, o livro homônimo de Warren Dean conta a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. “No enredo, somos lembrados de que um dos primeiros atos dos portugueses, ao chegarem ao Brasil em 1500, foi abater uma árvore para construir a cruz da primeira missa. Esse gesto, considerado premonitório, teria feito, segundo o autor, a primeira vítima da ocupação europeia da Mata Atlântica, que cobria boa parte do território brasileiro”, conta Ulisses.
A ferro e fogo chega num momento em que Mato Grosso do Sul vive os efeitos das grandes queimadas: “Acho que essa exposição, que carrega o fogo no título, vem nos relembrar um pouco da urgência das ecologias como uma pauta política que fica radicalmente mais evidente. As cenas de queimadas, essa natureza com tintas mais escuras que os artistas nos trazem, retratando a morte dos animais, dos biomas e dos ecossistemas, os assassinatos dos ativistas… Tudo isso já estava nas telas com alguma distância histórica. Mas o fogo no Pantanal ao longo deste ano nos aponta uma outra maneira de encararmos essas imagens”, analisa Carrilho.
Na história do Brasil, marcada por lutas nada ingênuas, se inscrevem inúmeras revoluções, revoltas e conflitos. A imagem de um país pacífico, de população cordial, desfaz-se a cada dia nas telas de celulares ou páginas de jornais. Marcada pela violência colonial, pelo extrativismo e pelo projeto de manutenção da desigualdade, esta história, caso fosse narrada de maneira pacífica, ignoraria a força de uma população que ousou batalhar por sua importância e poder.
Nos cinco séculos que se seguiram, cada novo ciclo econômico de desenvolvimento do país significou mais um passo na destruição de uma floresta de um milhão de quilômetros quadrados – hoje reduzida a vestígios. “Tal fato preocupa não apenas os milhões de brasileiras e brasileiros, mas toda a comunidade internacional que reconhece o protagonismo que esta terra tem para a preservação dos biomas e das condições de vida mundo afora”, pontua o curador.
A ferro e fogo firma-se como uma homenagem à insubordinação do povo brasileiro que, por diferentes ciclos de suas economias e histórias, exercitou suas alianças em lutas comuns. Tal verve aguerrida, presente em mentes e corações inquietos, possibilitou conquistas que mantiveram o estatuto da cultura popular – termo amplo, complexo e estigmatizado – aceso como o fogo, apesar das tentativas de domesticação da pluralidade da cultura popular brasileira – aqui aparece, sob armas, a metáfora do ferro.
“Nesta exposição, que reúne 113 obras, podemos ver juntos como as paisagens, as geografias e as representações de natureza são marcadas não apenas pela riqueza natural, mas também pela ação do humano, tornando cada vez mais complexas as ideias de natureza e cultura. Neste sentido, percebemos um país marcado pela força de seus cenários ricos em flora e fauna, mas também pelo esforço de trabalhadoras e trabalhadores em construir um país mais justo em oportunidades. As obras de arte produzidas por artistas autodidatas, que não tiveram acesso ao ensino formal em arte, muito embora tenham sido produzidas no passado, buscam dar densidade ao intenso agora”, afirma Carrilho.
“Nosso convite àqueles que visitam esta mostra é desconfiar da suposta ingenuidade um dia atribuída a esses artistas e perceber em cada tela a densidade das denúncias. Percebemos que, assim como nas revoltas populares, as tintas são um meio de mudar o mundo – confiando na arte, na memória e na representação”, finaliza o curador.
A equipe do educativo do Arte nas Estações desenvolveu uma programação especial para as férias. Durante todo o mês de janeiro, de terça-feira a sábado, sempre das 14h às 17h, serão oferecidas oficinas com atividades lúdicas e sensoriais, direcionadas a crianças a partir de 5 anos de idade (acompanhadas pelos responsáveis), jovens e adultos. A programação completa, integralmente gratuita, já está disponível no site.
O Ministério da Cultura apresenta Arte nas Estações. Lei Federal de Incentivo à Cultura, patrocínio Master da Energisa; patrocínio Copa Energia, BMA Advogados, Banco BV; apoio Fundação de Cultura do Mato Grosso do Sul, Secretaria de Estado de Turismo, Esporte e Cultura do Mato Grosso do Sul e Governo do Mato Grosso do Sul; apoio cultural: Instituto Energisa; apoio do programa educativo, Fundo de Filantropia da Família Hees; correalização do programa educativo do Instituto 3C, concepção A Ponte, realização Ikigai Produções e do Ministério da Cultura, Governo Federal União e Reconstrução.
SOBRE O ARTE NAS ESTAÇÕES
O projeto nasceu do esforço liderado por Fabio Szwarcwald para dar visibilidade ao acervo do Museu Internacional de Arte Naïf (Mian), chamando a atenção para uma problemática latente desde o encerramento da instituição com sede num casarão histórico no Rio de Janeiro. Desde que as atividades foram suspensas em 2016, devido à falta de financiamento, a coleção reunida pelo joalheiro francês radicado no Rio, Lucien Finkelstein (1931-2008), encontra-se armazenada num guarda-móveis e, gradativamente, vem sendo vendida para galerias e museus de fora do país.
Na atual ausência do Mian, o projeto se empenha em criar espaços para exibir a coleção e ressaltar a sua importância. “Essas exposições podem ser o último suspiro de uma movimentação importante para trazer luz à situação da venda da coleção naïf. É importante mobilizar as pessoas, fazendo com que essas obras fiquem no Brasil”, alerta Szwarcwald.
O envolvimento de Fabio com este acervo teve início no ano de 2019, a partir da exposição-manifesto Arte Naïf – Nenhum museu a menos, realizada na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, sob a curadoria de Ulisses Carrilho. Pensada a partir do acervo, então composto por 6 mil obras de artistas de 120 países, a mostra buscou sensibilizar o público sobre a relevância deste conjunto para o Brasil.
Desde 2023, o projeto Arte nas Estações começou a difundir o impacto dessas obras em espaços fora do eixo Rio-São Paulo. A sua primeira edição realizou três exposições simultâneas nas cidades mineiras de Ouro Preto, Congonhas e Conselheiro Lafaiete.
Para Szwarcwald, é gratificante levar um acervo tão expressivo a lugares que, muitas vezes, não têm oportunidade de receber exposições por falta de investimento: “É um projeto que nos traz muita alegria por seu ineditismo ao contemplar cidades de grande riqueza cultural, mas raramente assistidas pelas instituições e pouco visada por patrocinadores”.
SERVIÇO:
A FERRO E FOGO
Curadoria: Ulisses Carrilho
Idealização e direção executiva: Fabio Szwarcwald
Realização: A-Ponte
Temporada: 19 de dezembro a 19 de fevereiro de 2025
Local: Centro Cultural José Octávio Guizzo
End: Rua 26 de agosto, 453 – Centro
Campo Grande – MS – CEP: 79002-913
Tel: (67) 3317-1795
E-mail: centrocultural.jog@gmail.com
Horários de visitação:
Terça a sábado, das 9h às 18h (quinta, horário estendido até às 20h)
Entrada gratuita | Classificação livre
Site: www.artenasestacoes.com.br
Instagram: @artenasestacoes