Na semana passada, representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) realizaram uma inspeção, por meio dko Grupo de Trabalho Povos Originários e Comunidades Tradicionais, no território Guapoy Mirim Tujury, localizado em Amambai, município de Mato Grosso do Sul que fica na região de fronteira com o Paraguai. A atuação se pautou pela observância da autonomia da etnia Guarani-Kaiowá, que ocupa aquela área, e pela construção de um diálogo intercultural de caráter permanente e interseccional.
O território Guapoy Mirim Tujury, com população estimada de 8 mil pessoas, foi cenário de recente ação policial, no final de junho, envolvendo indígenas, fazendeiro e forças locais, sem qualquer autorização do Poder Judiciário nem participação dos órgãos de defesa desses povos tradicionais. A ação resultou na morte de um indígena de 42 anos e pelo menos outros dez indígenas ficaram feridos e foram hospitalizados, além de feridos não hospitalizados.
Segundo informações colhidas junto aos indígenas, cerca de 30 famílias da etnia Guarani-Kaiowá entraram na fazenda Borda da Mata, reivindicada por elas como sendo parte da aldeia Amambai, no território denominado Guapoy. O produtor rural teria acionado a Polícia Militar e, no dia seguinte, a tropa especial foi enviada até o local.
Já o governo de Mato Grosso do Sul afirmou que três policiais também ficaram feridos e nega que tenha enviado a tropa especial da Polícia Militar para efetuar a reintegração de posse, visto que isso seria competência da Polícia Federal.
Equipes da Polícia Federal também vistoriaram o local, onde fizeram a coleta de informações para posterior envio ao Ministério Público Federal, instituição que instaurou um procedimento preparatório para “apurar e acompanhar o suposto conflito entre indígenas da aldeia Amambai e forças policiais locais”. Em nota, a Polícia Federal informou que compete à instituição “garantir a integridade de comunidades indígenas, quando estas se encontrarem em risco”.
Na semana passada, a Justiça Federal de Ponta Porã indeferiu um pedido para despejar os Guarani-Kaiowá da área Guapoy, em Amambai. A solicitação foi feita pelo proprietário da fazenda que ocupa, atualmente, a região. No despacho, o juiz Thales Braguini Leão sustenta que o fato de não existir demarcação sobre a área ou qualquer processo administrativo tendente a promovê-la não é suficiente para descaracterizar a luta pela posse das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
“O papel que a parte autora tanto exibe para cumprimento pelas leis do direito é produção humana, e de homens brancos. Naturalmente, a legitimidade dessa busca indigenista é algo a ser averiguado pelos órgãos e meios próprios. Mas não se pode, aqui, ignorar a existência de elementos que indicam a possibilidade de estarem eles litigando com seus próprios meios por aquilo que nosso sistema constitucional prometeu a eles”, argumentou. O juiz complementa a decisão sublinhando que “foram colhidos elementos mais do que convincentes a respeito da relevância da discussão promovida pela comunidade indígena, o que justifica pelo menos que recebam a proteção integral e atenção às suas reivindicações”.
A procuradora do Trabalho do MPT-MS Juliana Beraldo Mafra, que organizou a inspeção, trouxe detalhes daquilo que encontrou no local, após 15 dias da ação policial. “Uma criança indígena, de 13 anos, teve ferimentos sérios no abdômen, decorrentes de disparo de arma de fogo e encontra-se em recuperação”.
Como medida de urgência resultante da ação, foi expedido um relatório preliminar sobre necessidades relacionadas a questões de saúde, bem como solicitado o atendimento junto ao Ministério da Saúde, em articulação com Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União e Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul. Ainda sobre essa demanda, o MPT constatou que os indígenas estão consumindo água de um poço existente no local, sem análise da potabilidade.
Além disso, foram aplicados questionários a fim de que se verifique a eventual violação de outros direitos sociais no local ou que seja a eles correlata ou conexa, inclusive prevenção ao trabalho escravo e combate ao infantil na região.
Doações
Durante a inspeção realizada no dia 7 de julho, na área de retomada Guapoy Mirim Tujury, o Ministério Público do Trabalho promoveu a entrega de produtos arrecadados em campanha institucional destinada ao abastecimento dos povos Guarani-Kaiowá.
Além do MPT, participaram da ação representantes do Conselho Indigenista Missionário, da Comissão Pastoral da Terra, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e da Universidade Federal da Grande Dourados, empenhados em identificar as reivindicações dos indígenas para que seja promovido o trabalho decente na comunidade, verificar parcerias para a execução de projetos, conhecer as reais condições socioeconômicas dos indígenas e articular a promoção de políticas públicas.
Na ocasião, houve a entrega de cestas básicas, cobertores, utensílios de cozinha, tecidos, roupas e produtos de higiene pessoal.
Fontes: Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul e Ascom/Projeto Àwúre