A 2ª Vara do Trabalho de Dourados determinou, liminarmente, o imediato afastamento das empregadas lactantes que laboram presencialmente em ambiente insalubre no Hospital Universitário (HU), situado naquele município, pelo período de até dois anos e sem a exigência de documentos médicos, sob pena de multa no valor de R$ 10 mil por dia de atraso ou trabalhadora prejudicada. Essa decisão alcança as colaboradas da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que administra o hospital, contratadas até 1º de março de 2022, que já eram gestantes ou lactantes e que atuem exclusivamente para a Ebserh.
A concessão da medida liminar ocorreu em mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra decisão anterior daquela vara especializada, que havia indeferido pedidos de tutela de urgência formulados pela instituição ministerial por meio de uma ação civil pública ajuizada em abril deste ano.
Ao reanalisar os pleitos do MPT, o juiz Marcio Alexandre da Silva considerou uma prova oral que apontou outro caminho fático que ultrapassa tanto o tempo limite de seis meses de idade da criança, previsto em dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para a concessão de intervalos no período de lactação, quanto o prazo de 12 meses fixado em acordo coletivo de trabalho e aplicável no âmbito da empresa, determinando o afastamento de lactantes do ambiente insalubre.
Uma testemunha da Ebserh, pertencente ao quadro funcional da empresa desde 2014 e que atua em função gerencial, disse que até março de 2022 as lactantes na unidade de Dourados eram afastadas do labor por até dois anos. Nesse sentido, tinham resguardado o direito de alimentarem seus filhos por tempo consideravelmente maior, sem qualquer necessidade ou exigência de atestado médico, o que assegurava uma condição mais benéfica aderente ao contrato de trabalho delas.
Com base nesse depoimento e no conjunto probatório apresentado pelo MPT no mandado de segurança impetrado em abril, o magistrado reconheceu que “diversas trabalhadoras lactantes foram indevidamente inseridas pela ré em trabalho insalubre, com desconsideração da condição mais benéfica que aderiu aos seus respectivos contratos de trabalho, e em franca contradição o diploma legal que trata da matéria (CLT, 394, III).”
Ainda de acordo com a decisão liminar, caso possível, a realização das atividades por essas trabalhadoras se dará mediante adoção de regime de trabalho remoto ou teletrabalho, enquanto durar a condição de lactante.
“O pleito inibitório do MPT abrange as situações mais benéficas preexistentes à própria demanda coletiva, tal como demonstrado por prova oral, no sentido de se garantir o afastamento de labor insalubre das lactantes por tempo superior em detrimento das regras prejudiciais advindas após março/2022 para essas trabalhadoras”, destacou em trecho da liminar o juiz Marcio Alexandre da Silva, ao defender a proteção contra a exposição da gestante e lactante a atividades insalubres, possibilitando assim o pleno desenvolvimento, de maneira segura e sem riscos, tanto da mulher quanto do recém-nascido.
Ilicitudes
A situação das trabalhadoras lactantes no Hospital Universitário somente ficou conhecida depois que o Ministério Público do Trabalho recebeu denúncia sigilosa, em março deste ano, relatando que mulheres gestantes estariam trabalhando em ambiente hospitalar insalubre.
No entanto, antes disso, em 24 de fevereiro, as servidoras lactantes foram convocadas para retornarem prontamente às atividades, em ambiente insalubre, sendo expostas a diversos patógenos, como o novo coronavírus. Insatisfeitas, todas assinaram, no dia 1º de março, um pedido de esclarecimentos endereçado às unidades competentes do hospital.
Antes de ajuizar a ação civil pública e impetrar o mandado de segurança, o MPT expediu notificação recomendatória à Ebserh (HU-UFGD), propondo a adoção de medidas necessárias para possibilitar o cumprimento de algumas obrigações. Dentre elas, constava não exigir o trabalho presencial das trabalhadoras lactantes, em atividades consideradas insalubres em qualquer grau, enquanto durar o período de lactação. Além disso, a instituição sugeriu que, quando possível, a realização das atividades ocorra mediante regime de trabalho remoto ou teletrabalho.
Em resposta, a Ebserh informou que não atenderia à recomendação, amparada em decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região que concluiu pela garantia à mulher lactante do direito ao afastamento pelo período de seis meses previsto em dispositivos da CLT, inclusive quando se tratar de atividades insalubres em qualquer grau, inexistindo, segundo a empresa, suporte legal ao afastamento em prazo superior.
Ao propor a ação civil pública, o procurador do Trabalho Jeferson Pereira invocou decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento de uma ação em que a Corte considerou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da expressão “quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”, contida nos incisos II e III do artigo 394-A da CLT, incorporados pela Lei nº 13.467/2017. O acórdão transitou em julgado em maio de 2020.
Jeferson Pereira também observou que não somente a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a amamentação até os 24 meses de idade da criança, mas a própria legislação federal contém orientação nesse sentido, mesmo após a introdução de novos alimentos na dieta dos lactantes e das crianças de primeira infância.
Fonte: Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul