Quem entra no Parque dos Poderes pela Avenida Desembargador Leão Neto do Carmo se depara com a fatídica imagem de uma clareira que está se abrindo na mata, resultado da destruição da vegetação nativa. O terreno ao lado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul está sendo vergonhosamente desmatado em um momento de isolamento social, com poucas possibilidades de reação por parte da população.
Mesmo assim, no último dia 03, em frente ao IMASUL, órgão responsável pelas licenças ambientais de desmatamento, aproximadamente cinquenta pessoas, integrantes dos movimentos sociais Juristas pela Democracia, ADUFMS (Associação dos docentes da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul), SOS Parque dos Poderes, FETEMS (Federação dos Trabalhadores em Educação), Sindicato dos Jornalistas e ACP (Sindicato Campo-Grandense dos Profissionais da Educação Pública) realizaram um protesto com o objetivo de chamar a atenção da sociedade para a urgência de parar o desmatamento e também para lançar o movimento “JÚRIS POPULARES” que começa amanhã, 10 de novembro, terça-feira, a partir das 11h, em frente à Assembléia Legislativa.
De acordo com a advogada Gisele Marques, coordenadora do movimento “Juristas pela Democracia”, no Júri Popular o desmatamento é colocado no banco dos réus com advogados em ambos os lados, tanto a favor como contra. “Nós convidamos o estado para mandar um representante para defender o desmatamento, ou seja, para tentar nos convencer porque é preciso desmatar. Nos mostrem como isso contribui de fato para o bem de nossa cidade e estado. Esperamos que eles compareçam”. Ela explica que o ato se dará por meio de rodízio de pessoas para evitar aglomeração. Serão utilizadas também máscaras e álcool gel.
Segundo Marques, os Júris também pretendem discutir a proteção das áreas verdes na cidade, tornando visíveis os problemas decorrentes do desmatamento e da falta de proteção às nascentes e às áreas de proteção ambiental. “O novo plano diretor de Campo Grande falhou nesse quesito por isso precisamos nos mobilizar, discutir e agir para combater o retrocesso”, ressalta.
A saga relativa ao desmatamento no Parque dos Poderes teve sua origem na aprovação da Lei nº 5.237, de 17 de julho de 2018. A lei proibiu a supressão vegetal no Parque mas tam bém estabeleceu 11 áreas de exceção, ou seja, legalmente mantidas fora da área protegida. Segundo dados da AGRAER (Agência Estadual de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural), as 11 áreas juntas somam cerca de 29 hectares que hoje se encontram vulneráveis à destruição, inclusive por parte do próprio estado. “Ou seja, por vias transversas, a Lei de 2018 acabou por “autorizar” o desmatamento de cerca de quase trinta hectares no nosso Parque dos Poderes, não podemos permitir isso”, alerta Marques.
A advogada explica que os técnicos do IMASUL têm suporte no artigo 225 da Constituição Federal para deixar de autorizar a supressão da mata nativa. “Eles podem fazer isso tendo como base o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o bem de uso comum do povo, essencial à saúde e qualidade de vida da população”, por isso, segundo Marques, um dos objetivos dos Júris Populares é fortalecer o poder de ação do IMASUL.
Para o presidente da ADUFMS, Prof. Marco Aurélio Stefanes não há como Campo Grande se sustentar e seguir se desenvolvendo sem a preservação de seus ecossistemas naturais. “A mata nativa do Parque tem uma relevância inominável para a saúde da cidade, possibilitando a manutenção de nossa flora e fauna, como as aves migratórias que as utilizam, possibilitando a realização de pesquisas científicas, o desenvolvimento de atividades de educação ambiental e o contato fundamental do ser humano com a natureza. Cabe ao poder público e à coletividade o dever de defendê-la e preservá-la para as presentes e futuras gerações”, alerta.
O professor também lembra sobre as atividades econômicas de turismo ecológico geradas pelo Parque dos Poderes. “Campo Grande é referência no turismo de observação de aves e o Parque dos Poderes é um dos “hotspots” dessa atividade, que além de gerar riquezas para nossa terra, também contribui para o equilíbrio ambiental”.
O DESMATAMENTO DO PARQUE DOS PODERES E A LEGISLAÇÃO ATUAL
(Com informações dos “Juristas pela Democracia”)
Após a Lei 5.237/2018 que acabou por “autorizar” o desmatamento de grandes áreas no Parque dos Poderes, o Decreto Legislativo n. 606/2018, publicado no Diário Oficial em 29 de novembro de 2018, iniciou o processo de tombamento do Complexo do Parque dos Poderes. Em dezembro de 2019, no entanto, projeto de autoria do deputado Paulo Corrêa (PSDB), revogou o Decreto Legislativo 606/2018, retirando a proteção à vegetação nativa do local.
O Ministério Público Estadual instaurou então um inquérito civil No qual formulou pedido de tutela a fim de que ficasse proibida a concessão de autorização pelo IMASUL para supressão arbórea no Complexo dos Poderes. O juiz da 1ª. Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande indeferiu o pedido, razão pela qual o Ministério Público recorreu ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, onde obteve provimento parcial ao recurso, o que passou a impedir o desmatamento de 3,31 hectares, inicialmente, em decisão monocrática do Desembargador Fernando Mauro Moreira Marinho proferida em 24 de Setembro de 2019.
O julgamento do mérito do Agravo ocorreu no dia 19 de fevereiro de 2020, na mesma manhã em que o Ministério Público Estadual realizou uma audiência pública para discutir o assunto, com auditório lotado, e participação massiva da população.
Vários atos públicos foram realizados pela sociedade civil contra o desmatamento, inclusive com o Show Elas Pelo Parque, no dia 07 de março de 2020, no qual mulheres cantaram e tocaram músicas clamando pela preservação da vegetação nativa do Parque dos Poderes.
O clamor popular acabou de dissipando com o recolhimento forçado das pessoas em decorrência da pandemia provocada pela COVID – 19.
E, nesse contexto, o desmatamento no Parque dos Poderes foi retomado em relação a áreas que não estão incluídas nos 3,3 hectares objeto da proteção judicial conferida pela 2ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça.
No dia 22 de Outubro de 2020, o Promotor de Justiça do Meio Ambiente Luiz Antônio Freitas de Almeida pediu a ampliação dos efeitos da proteção legal para as áreas que estão sendo desmatadas. O pedido está aguardando a decisão judicial. A expectativa dos manifestantes é que o protesto do dia 03 de novembro de 2020 e os Juris Populares que se iniciam no dia 10 possam sensibilizar o judiciário para conservar a vegetação nativa, barrando o desmatamento, protegendo a cidade e o meio ambiente.
Assessoria ADUFMS.