O resgate de sete trabalhadores de origem paraguaia, submetidos a situação degradante de labor na zona rural do município de Bonito, teve como desfecho a assinatura de três Termos de Ajuste de Conduta (TACs), firmados no último dia 12 junto ao Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS).
Nesses acordos, o proprietário de uma fazenda se comprometeu a indenizar todas as vítimas pelos danos morais individuais provocados, em valores que variam entre R$ 60 mil e R$ 90 mil. As quantias foram calculadas com base na remuneração de cada trabalhador e representam 20 vezes o salário definido à época dos fatos.
As vítimas foram identificadas durante inspeção conjunta do MPT-MS e Fiscalização do Trabalho, com apoio da Polícia Militar Ambiental e da Polícia do MPU, realizada no dia 9 de junho na propriedade que se destina à criação de bovinos para corte e cultivo agrícola. Em 2017, essa fazenda foi alvo de outra investigação, em que se constatou recorrentes atrasos no pagamento de salários e resultou na celebração de acordo para a quitação das dívidas trabalhistas.
Pagamento imediato e obrigações previdenciárias
No ato da assinatura dos acordos, as verbas rescisórias devidas às vítimas foram quitadas em espécie, com acompanhamento do procurador do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes e de auditores-fiscais que atuaram no caso.
O empregador também assumiu a responsabilidade de efetuar o registro retroativo de todos os imigrantes, além de fornecer documentação e custear as respectivas despesas necessárias para os desligamentos formais, tanto no Brasil quanto no exterior, conforme planilha elaborada pela Fiscalização do Trabalho.
O acordo ainda determina o recolhimento integral do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), referente aos períodos retroativos de vínculo, bem como a multa adicional de 40% sobre o saldo fundiário de cada trabalhador.
O proprietário rural terá um prazo de até 120 dias para consolidar esses recolhimentos por meio do aplicativo FGTS Digital, devendo comprovar o cumprimento dessa obrigação no procedimento instaurado pelo MPT-MS.
Condições dignas de labor
Além das reparações financeiras às vítimas e à sociedade, o fazendeiro pactuou um conjunto amplo de 20 obrigações de fazer e de não fazer, que tem como objetivo promover medidas estruturantes no local e erradicar práticas abusivas de trabalho. O acordo vincula todas as empresas pertencentes ao grupo econômico do empregador.
Entre os compromissos ajustados no dia 12 de junho, destacam-se: registro em livro, ficha ou sistema eletrônico competente de todos os trabalhadores resgatados e proibição de manter outros empregados sem vínculo formal de labor; fornecimento gratuito de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), adequados aos riscos de cada atividade; realização de exames médicos admissionais e periódicos; disponibilizar material para a prestação de primeiros socorros, sob responsabilidade de pessoa treinada para esse fim; viabilizar áreas de vivência compostas de instalações sanitárias, locais para refeição e dormitórios compatíveis com a legislação trabalhista; promover treinamento para operadores de máquinas e equipamentos; deixar de manter empregado submetido a regime de trabalho forçado e/ou reduzido à condição análoga à de escravo; garantir aos trabalhadores migrantes transporte gratuito de ida e retorno das suas origens até o local onde serão prestados os serviços, além de outras obrigações.
Reparação dos danos
O descumprimento de qualquer cláusula do acordo acarretará multa de 100% sobre o montante devido, além de sanções que podem chegar a R$ 9 mil por infração, valor este dobrado em caso de mortes ou lesões graves relacionadas às condições de trabalho. Os recursos das penalidades aplicadas, segundo o acordo, serão revertidos a campanhas educativas ou destinados a entidade pública ou privada sem fins lucrativos.
O documento também prevê que o pagamento das multas não isenta o empregador do cumprimento das obrigações principais.
Barracos de lona e dívida antecipada
Em depoimento colhido na própria fazenda em Bonito, um dos trabalhadores paraguaios revelou detalhes sobre a rotina de exploração à qual o grupo era submetido.
A vítima contou que há mais de dez anos realiza serviços diversos na propriedade rural, incluindo construção de cercas, roçadas e limpeza de campo. Durante esse período, nunca teve registro em carteira. Na mais recente empreitada, iniciada em janeiro deste ano, ele e os demais trabalhadores foram recrutados por um funcionário da fazenda, ainda em território paraguaio.
Segundo a vítima, parte do grupo se deslocou até Bonito de motocicleta, enquanto os demais vieram de ônibus até o referido município, de onde foram levados à fazenda em um caminhão providenciado pelo funcionário da propriedade rural. Logo no início, o empregador antecipou R$ 6 mil para cobrir custos com transporte e apoio às famílias, quantia que acabou transformando-se em uma dívida inicial. “Já chegamos devendo”, lembra o depoente.
No local, os trabalhadores montaram barracos improvisados com troncos de árvores e lonas plásticas. Eles dormiam em “tarimbas” – camas feitas com galhos – e utilizavam colchões velhos trazidos do Paraguai. Sem acesso a banheiro, faziam as necessidades fisiológicas no mato, bebiam água de um córrego – armazenada em galões de óleo reutilizados – e tomavam banho ao ar livre. Não havia energia elétrica nem qualquer infraestrutura básica.
Os trabalhadores nunca receberam Equipamentos de Proteção Individual, embora operassem motosserras sem qualquer tipo de capacitação. Já o pagamento pelos serviços prestados era de R$ 20 por poste ou em diárias oscilando entre R$ 100 e R$ 150.
Ainda de acordo com o depoente, nenhum dos sete paraguaios era registrado. Apenas os funcionários fixos da fazenda, que atuavam com o gado, tinham vínculo formal. Os estrangeiros ficavam encarregados da parte de cercamento, isolados da estrutura da propriedade rural. Mesmo em atividades arriscadas, como o manuseio de ferramentas pesadas, não realizavam exames médicos admissionais nem dispunham de kit de primeiros socorros.
Ele também disse que o retorno para casa ocorria a cada 40 dias, com breves descansos junto às suas famílias em Bella Vista Norte, Paraguai. Todos os custos com transporte eram arcados pelos próprios trabalhadores.
Para o procurador Paulo Douglas Moraes, os acordos refletem o compromisso institucional com a proteção dos trabalhadores e a responsabilização dos infratores. “Esses instrumentos não apenas reparam danos, mas transformam realidades. São marcos para evitar que a lógica da exploração volte a prevalecer no campo”, declarou Moraes.