De modo semelhante a outros setores do agronegócio mundial, o setor vitivinícola tem-se caracterizado pela crescente competição entre blocos econômicos, e também tem sido marcado por um ambiente empresarial cada vez mais intenso em tecnologia e gestão. Entretanto, o vinho não é uma mercadoria comum, não pode ser produzido em qualquer lugar e seu sucesso depende de fatores bem mais complexos do que a simples minimização de custos de produção e logística.
A produção de um vinho está sujeita à regra das vantagens comparativas de sua localização que, por sua vez, associadas a elementos como cultura, tecnologia produtiva, tradição e experiência, podem ser convertidas em vantagens competitivas. É por isso que nenhuma região pode ser simplesmente classificada como boa ou ruim para a vitivinicultura, mas sim distinta em suas potencialidades, cujo aproveitamento dependerá das percepções de seus estrategistas, instituições, empresários e, principalmente, das vantagens tributárias existentes.
A produção de vinho é uma das atividades mais antigas da humanidade e se difundiu pelo mundo ao longo da história, com registros no Egito Antigo, na Fenícia, na Grécia Antiga, na China, no Império Romano e na Europa medieval. Como se percebe, grande parte da história da bebida se passa no continente europeu e não é de se espantar, portanto, que os vinhos da Europa tenham especial importância no cenário mundial. As boas condições de solo, associadas ao conhecimento adquirido e aprimorado por séculos, conferem qualidade e fama aos tradicionais vinhos finos do Velho Mundo.
Mas, além da expertise dos produtores europeus e as boas condições climáticas do continente, há algumas regiões em outros países que conquistaram considerável espaço no mercado de vinhos finos ao longo do tempo, como Estados Unidos, Argentina, Chile, Uruguai, África do Sul, etc. Aqui no Brasil, presenciamos nos últimos 20 anos uma verdadeira transformação no universo vitivinícola. A herança dos nossos antepassados, especialmente dos imigrantes italianos que chegaram no país no final do Século 19, é de valorização de uma cultura do vinho, com tudo o que a cerca.
Desde o plantio das primeiras mudas de videira, passando pela produção familiar e para o consumo próprio, até chegar à escala industrial na metade da década de 1950, sempre houve dificuldades e desafios. A abertura de mercado brasileiro, que ocorreu no início da década de 1990, impulsionou avanços significativos no cenário do nosso país. A entrada de vinhos importados de tradicionais países europeus e também dos nossos vizinhos sul-americanos estimularam a busca por novas tecnologias, por qualificação profissional e de processos e também numa organização maior de toda a cadeia, desde o produtor rural até as cooperativas e a indústria.
Porém, assim como ocorreu com outros produtos, o vinho brasileiro acabou tendo algumas desvantagens em relação aos concorrentes, em especial dos países vizinhos. Temos custos de produção que são substancialmente mais elevados, exatamente pelo nosso modelo de produção: em pequenas propriedades, familiares e em menor escala. Além do custo da matéria-prima ser maior, temos no Brasil outras diferenças que nos tiram competitividade. Uma é a tributação, que taxa o vinho como bebida alcoólica, enquanto nos principais países produtores ele é categorizado como produto alimentar. O mercado de vinho no Brasil se caracteriza por uma grande complexidade em virtude da enorme diversidade dos tipos de vinho e da multiplicidade das legislações nacionais a respeito. Simplificando ao extremo, podemos dividir esse nicho em dois segmentos principais: os vinhos de mesa e o de vinhos finos.
Cerca da metade do valor de uma garrafa de vinho produzida em nosso país é composta por impostos como PIS, Cofins, ICMS e IPI, entre outros. Atualmente, 44,73% do custo da garrafa nacional corresponde às taxações brasileiras. Em um vinho que custa 60 reais, por exemplo, é possível que até 27 reais sejam apenas de carga tributária.
Segundo os dados mais recentes da União Brasileira de Vitivinicultura (UVIBRA), em 2018, havia 1.100 vitivinícolas cadastradas no Ministério da Agricultura, com uma estimativa de geração de 200 mil empregos diretos, com destaque para a produção de vinhos de inverno no Sudeste, onde a cada ano surgem pelo menos 100 novas vinícolas.
Estima-se que a vitivinicultura gere, para cada hectare de vinhedo implantado, um emprego direto e dois indiretos. Compondo esse cenário, tem-se verificado nos últimos anos um grande incremento da atividade enoturística nos polos vitivinícolas da Serra Gaúcha (Rio Grande do Sul), Vale do Rio do Peixe e Planalto Catarinense (Santa Catarina), e Vale do São Francisco (Pernambuco e Bahia), bem como a ascensão desse mercado em várias cidades da Região Sudeste gerando e distribuindo emprego e renda ao longo da cadeia e nas atividades complementares (serviços, transporte, artesanato, etc.).
A questão é que aproximadamente 80% dos vinhos finos vendidos no país vêm de fora – a maioria do Mercosul. A concorrência dos países vizinhos é desleal devido à disparidade entre as suas cargas tributárias e a brasileira e poderá se agravar com a concretização do acordo comercial do bloco sul-americano com a União Europeia.
Diante deste cenário, fica evidente a necessidade de revermos essas alíquotas tributárias pagas pelo setor, bem como discutirmos a criação de um programa nacional de desenvolvimento da vitivinicultura no formato de uma Rede Tecnológica orientada pelo Governo Federal. Precisamos acelerar o processo de geração de conhecimentos e tecnologias e de promover a inovação das empresas. Precisamos, acima de tudo, aliviar a altíssima carga de impostos do segmento no nosso país, elemento fundamental e básico para a elevação da competitividade da vitivinicultura brasileira a patamares sustentáveis.
*Alan Fernandes é empresário, filantropo, investidor em ativos digitais, cripto-pesquisador, patrocinador cultural, exportador, curador de negócios de pequenas e médias empresas.