O cotidiano e as vivências de pessoas com deficiência são destaques no longa “Olhos para o Silêncio”, do cineasta Mhiguel Horta. As gravações estão acontecendo a todo vapor há alguns meses na Capital. A produção foi contemplada com recursos do FMIC (Fundo Municipal de Investimentos Culturais), promovido pela Sectur (Secretaria Municipal de Cultura e Turismo), por meio da Prefeitura Municipal de Campo Grande.
O cineasta relata que o filme entrelaça dois personagens com deficiências distintas. Luiz é um homem cego que saiu da miséria, é escritor e vizinho de um adolescente surdo e grafiteiro, que faz muito barulho. Contando com um elenco de pessoas cegas e surdas, Mhiguel acredita ter em mãos um roteiro pioneiro, e informa que há a pretensão de que o filme também venha a se tornar uma série.
“O filme tem um tom intimista, traz reflexão e mexe com as emoções. Este é um projeto inovador no mundo, porque você encontra projetos audiovisuais com um elemento, com um personagem cego ou surdo, mas não reunindo um elenco com as duas deficiências”, diz. “O roteiro desse filme encontra-se registrado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, há mais de 20 anos, desde uma época em que a inclusão e a acessibilidade nem eram palavras usadas”, completa.
O espaço físico do Ismac (Instituto para Cegos Florivaldo Vargas) marca muitas cenas de ensaios e gravações, e em uma tarde, os atores Nivaldo Santos, Pedro Henrique e Conceição Leite, se reuniram para se preparar para gravar. Aos 48 anos, e com 30 anos de experiência em teatro, o ator Nivaldo Santos, que é cego, conta que sempre atuou no teatro e que é a primeira experiência com atuação em filmes. Para ele, o roteiro de “Olhos para o Silêncio” é de fundamental importância. “O Ismac tem uma história riquíssima, eu sou um produto do Ismac, e o instituto é de fundamental importância para o cego e é muito interessante ter o filme inspirado na história de pessoas que passaram ou ainda passam por aqui”, afirma.
Frequentando o Ismac desde 2004, com 9 anos, Pedro Henrique, que também é acadêmico de direito, se ausentou do Estado por alguns anos e em 2017 pôde retornar ao instituto. Ele conheceu o cineasta no ano passado, quando recebeu o convite para atuar no filme. “Essa é minha primeira experiência como ator, fora algumas apresentações em escola, e tem sido uma oportunidade muito boa, além de mostrar o trabalho do Ismac e também o talento da pessoa com deficiência, que é possível atuar, que há a possibilidade do cego ser o que quiser. É um desafio e um novo crescimento profissional”, finaliza.
Para a atriz, diretora e produtora de teatro, Conceição Leite, que está na área desde a década de 1980, esse trabalho é muito importante. “É uma honra trabalhar com o Mhiguel e mostrar a realidade da pessoa com deficiência. É uma nova experiência para mim. Acredito que o filme além de informar, vai sensibilizar as pessoas”, diz.
Fundado em 4 de fevereiro de 1957, o Ismac atua na área de reabilitação, apoio pedagógico, educação, saúde, cultura e desporto, atendendo desde bebês, com a estimulação precoce, até quem perde a visão ao longo da vida, seja ela criança, adolescente, jovem, adulto ou idoso, com informática, música, escrita em braile, judô e futebol para cegos e orientação nas atividades da vida autônoma. “O foco é auxiliar na reabilitação, fazer com que a pessoa cega ou de baixa visão vá para a escola, retome os estudos, volte para o mercado de trabalho, vida acadêmica. Promover a autonomia e independência da pessoa com deficiência visual”, detalha o diretor presidente do Ismac, Márcio Ximenes Ramos.
Márcio, que perdeu a visão com 9 anos, e começou a ser atendido no instituto em 1995, afirma que o filme “Olhos para o Silêncio” será uma excelente oportunidade para mostrar o trabalho do Ismac e o potencial das pessoas cegas ou com baixa visão.
“Elas precisam de oportunidades para mostrar seu potencial, desde trabalho, vida acadêmica e também na área da cultura, por que não mostrar esse lado artístico? O filme vai retratar um pouco da nossa realidade, e acredito que o Ismac com 66 anos precisa ser mais visto, porque há muitas pessoas que ainda não conhecem nosso trabalho e há muitas pessoas que necessitam”, enfatiza o diretor-presidente do instituto.